Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Publicar e traduzir pessoas negras e indígenas deve ser uma política cultural guia

É fundamental visibilizar produções de pessoas que historicamente tiveram suas vozes abafadas pelo sistema

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Escrevo este texto daqui da Cidade do México, onde estou para a participação em um evento paralelo ao Mondiacult 2022, o encontro de cultura da Unesco que não acontecia havia 40 anos e que reúne ministros e ministras da Cultura de mais de cem países, além de representantes de embaixadas e de agências globais para discutir políticas culturais e de desenvolvimento sustentável.

O evento começou nesta quarta-feira (28). Um dia antes, estive a convite do Prince Claus Fund, da organização What Design Can Do?, do reino dos Países Baixos e do governo mexicano, para conversar sobre políticas culturais na América Latina para representantes que estavam na capital para participação no evento.

Foi uma ótima oportunidade de apresentar o que entendo que deve ser uma das políticas públicas guias de departamentos de cultura em diversas regiões do mundo: a política editorial de publicação de pessoas negras e indígenas e a respectiva política de tradução.

A ilustração traz duas mulheres lendo livros, uma, à direita, está sentada em uma poltrona vermelha, a outra, ao centro também está sentada e lê um livro de capa azul clara. Ao redor delas há adornos de plantas latinas e brasileiras, como cacau e açaí.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro - Aline Bispo

No Brasil, o trabalho editorial de pessoas negras vem de longa data no país. Produções como Quilombhoje e Cadernos Negros já estão há décadas nessa trajetória, assim como os trabalhos de editoras voltadas à literatura desenvolvida pela negritude. Podemos aqui citar as editoras Pallas, Malê, Nandyala, entre muitas outras. Passos que vêm de longe e que seguem rumo à valorização das letras negras.

É fundamental visibilizar produções e pessoas negras, que, por partirem de um lugar social de falta de oportunidades, historicamente tiveram suas vozes abafadas por um sistema que autorizou o discurso produzido pela população branca brasileira. Em eventos internacionais, há sempre um choque quando apresento dados da pesquisa coordenada por Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília, que aponta que, entre 1964 e 2014, 90% dos livros publicados em grandes editoras no país foram escritos por pessoas brancas.

No encontro em questão, apresentei o trabalho editorial desenvolvido pelo selo Sueli Carneiro, coordenado por mim, que publica há alguns anos, em parceria com a editora Jandaíra, títulos escritos por pessoas negras, sobretudo mulheres. Dentro do selo está a Coleção Feminismos Plurais, que ultrapassou a marca de 400 mil títulos vendidos, além dos que foram distribuídos a escolas públicas e projetos sociais por meio de doação.

A política editorial de publicação de pessoas negras impactou a bibliografia de escolas, graduação e programas de pós-graduação no país, estabelecendo uma disputa de narrativa que privilegia uma diversidade de vozes.

O impacto da presença maior de pessoas negras nas referências acadêmicas eleva a autoestima dos e das estudantes para produzir ciência, enriquece os estudos e também qualifica o debate.

Mas, para além de apresentar os potenciais de uma política editorial que privilegie diversas culturas em um país, abordei ali um passo seguinte para a relação entre países do norte e sul global: a política de traduções atual como uma política colonial. Citei que estou trabalhando na internacionalização dos títulos da coleção e que, com muita articulação, alguns dos exemplares estão traduzidos para o francês, o italiano, o espanhol e o alemão. Em inglês, "Lugar de Fala" será o primeiro, no fim de 2023, pela Yale University Press.

Dizer isso a partir do Brasil possui um significado especial. Somos uma ilha dentro do continente, uma vez que falamos português em uma América Latina de grande maioria de idioma espanhol.

Ao norte, os Estados Unidos falam inglês e possuem uma política protecionista de entrada de literatura estrangeira, sobretudo aquela que parte da América do Sul e Central. Na Europa, o cenário não é muito diferente, bem como nos países economicamente desenvolvidos da Ásia.

Aqui no Brasil, ao longo da história, temos uma tradição de publicar traduções que venham do norte global. Na última década, temos ainda visto um crescimento exponencial de livros traduzidos escritos por pessoas negras. No projeto que apresentei, estamos com publicações iminentes de feministas indianas e da obra de Velia Vidal, feminista colombiana.

A recíproca, percebo, não é verdadeira. É preciso que se traduza o pensamento de autoras como Lélia Gonzalez, Luiza Bairros, Zélia Amador de Deus, Conceição Evaristo, Ruth Guimarães, Miriam Alves e Elisa Lucinda, entre tantas outras.

Por isso, reforcei que uma política cultural que deve ser trabalhada fora e no Brasil é a tradução do pensamento afro-indígena produzido no país.

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