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Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

Descrição de chapéu The New York Times trânsito

Por que implantar boas políticas públicas custa tanto tempo e dinheiro nos EUA?

Programa de pedágio urbano de Nova York, aprovado em 2019, está previsto para começar só em 2024

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The New York Times

Duas semanas atrás, escrevi uma coluna sobre a necessidade de um progressismo que constrói e por que isso requer que, não obstante a obstrução republicana, os democratas encarem o papel que eles próprios têm exercido em dificultar a ação do governo. Nesta semana vou apresentar um estudo de caso.

Em 2019, o Legislativo de Nova York, com o apoio de Andrew Cuomo e Bill de Blasio, então governador e prefeito, aprovou um plano de pedágio urbano para combater congestionamentos. O plano era simples: a partir de 2021, custaria dinheiro ir de carro às áreas mais movimentadas de Manhattan. A receita obtida seria usada para melhorar os transportes públicos em toda a região.

Mas algumas das ruas de Nova York foram construídas com dinheiro federal, e a lei federal diz que um estado não pode cobrar pedágio em vias públicas construídas com verbas federais. Então Nova York precisava da cooperação de Washington. O governo Trump procrastinou –não gostava de Cuomo, Blasio, transporte público ou pedágio urbano. Mas a gestão Joe Biden mostrou-se muito aberta a cooperar.

Trânsito na Segunda Avenida, em Nova York - Johannes Eisele - 15.mar.2019/AFP

E por uma boa razão: seria difícil pensar em um objetivo progressista que não seja favorecido pelo pedágio urbano. As pessoas que vão de carro a Manhattan são mais ricas, relativamente falando, de modo que o pedágio é um imposto progressista; as que usam transporte público são mais pobres, de modo que o pedágio financia infraestrutura para aqueles que mais precisam dela; carros emitem mais poluição por passageiro do que trens ou ônibus, então o pedágio beneficia o ambiente e a saúde pública.

Um estudo descobriu que o pedágio urbano de Estocolmo reduziu a poluição ambiental em 5% a 15% e diminuiu drasticamente os ataques graves de asma em crianças.

Mas a cobrança ainda não entrou em vigor em Nova York. Pedágios urbanos não são tecnicamente complicados. Não exigem grande infraestrutura nova. Basicamente, trata-se de pendurar sensores em postes. Apesar disso, fui informado que o programa de pedágio urbano de Nova York —aprovado em 2019, vale lembrar— está previsto para começar em algum momento de 2024.

A pergunta é: por que isso está levando tanto tempo? Em 2021, o governo Biden fechou um acordo com Nova York. Em vez de um relatório de impacto ambiental completo —que as agências federais hoje levam em média 4,5 anos para concluir—, a prefeitura poderia fazer uma "avaliação ambiental", um pouco mais simples. Mesmo assim, o processo previa 16 meses de reuniões públicas e análises de tráfego.

A Autoridade Metropolitana de Transportes (MTA) apresentou um relatório preliminar em fevereiro. A Administração Federal de Rodovias (FHA) respondeu com mais de 400 perguntas e comentários técnicos.

Elas variam de questões técnicas de tráfego a preocupações com o impacto distributivo. Foi pedido que a prefeitura fizesse uma estimativa mais precisa do número de motoristas de baixa renda que vão para o distrito financeiro de carro e do número de taxistas não brancos que poderiam ser afetados pelo pedágio.

Reexecutar modelos pode levar dias, simplesmente devido à energia de computação necessária. (E vale notar que Nova York é uma cidade grande e rica, com muitos recursos. Esses processos são muito mais onerosos no caso de cidades menores.) Ouvi alguns argumentos em defesa do papel que o governo federal está exercendo nesse caso. Um deles é que o governo receia que qualquer avaliação ambiental menos que perfeita possa deixar a prefeitura vulnerável a processos judiciais infinitos.

San Francisco pode servir de alerta: em 2005, a cidade adotou um plano de construção de ciclovias e estacionamentos para bicicletas. A prefeitura foi processada sob os termos da Lei de Qualidade Ambiental da Califórnia, levando a uma liminar, um relatório de impacto ambiental de 1.353 páginas (lembrando que o assunto em pauta era infraestrutura de bicicletas!) e cerca de quatro anos de atraso.

Não contesto que esses medos têm fundamento. Mas eles não confirmam o valor do processo que temos. Apenas revelam as falhas de leis que facilitam tanto a obstrução de novos projetos.

O pedágio urbano taxa carros para financiar trens. Combate a poluição e reduz o congestionamento de vias públicas. Não é uma decisão difícil de tomar por motivos ambientais. Mas todos os envolvidos no processo temem as ações judiciais que serão movidas graças a leis como a da Califórnia ou a Lei Nacional de Política Ambiental (Nepa), aprovada para proteger o ambiente.

"Vivemos num ambiente extremamente litigioso", me disse Janno Lieber, diretor da Autoridade Metropolitana de Transportes. "Não tenho como resolver isso. Não posso resolver o fato de que a Nepa virou uma ferramenta para atacar iniciativas em favor do ambiente. Quero que o pedágio urbano entre em vigor aqui, na maior cidade do país, para testá-lo e comprovar seu valor ambiental. E acho que isso será um argumento mais forte contra ações judiciais ambientais do que a acusação de que esquecemos de levar em conta os cinco taxistas de baixa renda da zona leste de Nova York."

Outro argumento é que este será o primeiro grande plano de pedágio urbano nos EUA, e todos querem que dê certo. Concordo. Imagine que você é um experiente engenheiro de tráfego. Você lê o plano e tem ideias de como poderia ser aperfeiçoado ou como a prefeitura poderia colher dados relevantes que deixou passar. Claro que você vai avisá-la. Esse é o seu trabalho. Você quer que o projeto seja um sucesso.

Nesse caso, porém, o que é racional para cada indivíduo é irracional para o processo. Por enquanto, tudo não passa de previsões, exercícios de modelagem e especulações. Para aprimorar o pedágio urbano é preciso colocá-lo em prática, colher dados e depois aperfeiçoar o plano. Adiar o início do pedágio adia o momento em que as autoridades vão poder começar a aprender com sua operação real.

E há consequências mais diretas. Cada ano que o plano é adiado é um ano em que a MTA deixa de receber a receita que poderia usar para melhorar ônibus e metrôs sobrecarregados de Nova York. Um terceiro argumento é que esse tipo de revisão pode parecer estranha quando aplicada a pedágios urbanos, mas é necessária, porque muitas vezes barra projetos racistas em seu design ou imprudentes na construção.

Trânsito nos arredores de Los Angeles - Kevork Djansezian/AFP

Pense em Robert Moses construindo vias expressas que atravessam comunidades pobres. E isso é verdade. A questão é se continua sendo mais verdadeiro do que o contrário: que o fato de a construção ter sido tão dificultada está provocando mais danos ao ambiente ou à equidade social.

Os problemas crescentes de custo em cidades de maioria democrata, e as histórias de horror que ouço de pessoas que tentam construir infraestrutura climática, me levam a questionar se o ponto de equilíbrio que encontramos é o mais acertado. Acho que o Departamento de Transportes, sob a direção de Pete Buttigieg, acredita sinceramente que a mudança climática é uma ameaça existencial. Acredita sinceramente que a equidade é uma preocupação primordial. Acredita sinceramente que o transporte de massa é um bem público. Não acho que acredite sinceramente que todos esses objetivos, e muito mais, estejam ameaçados pela incapacidade dos democratas de construir infraestrutura rapidamente e experimentar políticas livremente. Ou, se acredita nisso, não alinhou seu processo a seus valores.

A Administração Federal de Rodovias converteu-se no ombudsman do pedágio urbano, não no acelerador de um projeto que os eleitores de Nova York estão perfeitamente equipados para avaliar. As eleições, não as revisões técnicas, são normalmente a melhor via para cobrar responsabilidade.

Garanto que não escolhi a dedo o programa mais controverso ou o pior processo. Muito pelo contrário. O pedágio urbano é um estudo de caso útil precisamente porque é uma política direta, com o apoio explícito, até mesmo ardente, de todos os principais tomadores de decisão. Em vez de custar dinheiro, aumenta a arrecadação pública. Não requer a construção de novos túneis, barragens ou linhas de trem. Em matéria de política climática, é uma decisão fácil de se tomar. Mesmo assim, está provando ser dificílima.

Chego a me perguntar se a moda recente de programas simples de transferência de dinheiro não reflete uma redução silenciosa das expectativas —e eu mesmo já defendi esses programas e quero demais ver a expansão do crédito fiscal infantil ser renovada. Já temos certeza de que o governo pode enviar cheques.

Ainda não temos certeza do que ele é capaz de construir.

Tradução de Clara Allain

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