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Cringe is the new mico

Tudo o que é vivo há de se tornar constrangedor, antes de ser cool novamente

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Uma gíria começa a morrer no momento em que os pais começam a usar, geralmente de forma equivocada. Não sei se vocês lembram, mas nos anos 1990 os jovens diziam, para designar um vexame, que a pessoa estava "pagando um mico".

O problema é que os tios do Brasil adoraram a sonoridade da expressão e começaram a repetir: "Ih, tô pagando mico!", "que micão!" a qualquer momento, indiscriminadamente.

Até que aconteceu um fenômeno curioso: usar a expressão pagar mico passou a ser uma forma de pagar mico, tornando a frase "tô pagando mico" uma profecia autorrealizada.

Outras expressões, como "viajando na maionese" e "pirando na batatinha", tiveram uma sorte ainda pior --morreram antes de nascer.

Nos anos 2000 alguém espalhou que jovens estavam falando isso, daí os pais e tios passaram a falar sem parar, sempre com uma piscadela marota --tornando essas gírias abjetas, nunca faladas, natimortas.

Pensando nisso, talvez estejamos assistindo à morte do cringe, que há de coincidir com sua descoberta pela minha geração.

A expressão, que em inglês significa encolher-se de constrangimento, passou a designar tudo o que essa juventude considera constrangedor: gente que usa calça skinny, gente que penteia o cabelo para o lado, gente que gosta de sitcom --basicamente gente da minha geração.

O problema é que nós, os cringe, descobrimos a expressão. Hoje não duvido, já deve ter se tornado cringe falar cringe. Cringe is the new mico.

O homem hétero de 40 anos tem o dedo podre. Tudo o que ele usa passa a ser cringe pelo simples fato de ele estar usando. Do alto dos meus 35 vejo tudo o que meus dedos tocam se tornar cringe. Os jovens têm toda a razão de nos desprezar. "Seinfeld", cabelo para o lado, brunch, calça skinny. Le cringe c'est moi.

O leitor, coitado, pode estar achando que não é cringe. Pobre leitor. Você está lendo uma coluna. Num jornal. Nada mais cringe.

Só nos resta abraçar o cringe, destino natural de todo ser humano. Tudo o que é vivo há de se tornar constrangedor, antes de se tornar pavoroso, antes de voltar, de novo, a ser cool --mas antes precisa passar pelo cringe. O cool tem que morrer para germinar.

Dedico esta coluna ao primeiro verme que roer a fibra carcomida da minha calça skinny. Ele também, coitado, há de se tornar cringe.

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