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Descrição de chapéu

Criar uma filha envolve inventar narrativas épicas, como um marqueteiro

Tinha medo de não saber cozinhar pra criança, mas descobri que tudo é uma questão de storytelling

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De todos os ofícios que a paternidade impõe, nunca pensei que teria que me transformar num marqueteiro. Não tinham me contado que passaria os dias e as noites quebrando a cabeça pra envelopar experiências banais em narrativas épicas —e mentirosas.

É impossível convencer minha filha a tomar um banho puro e simples, mas o mesmo banho se torna irresistível quando apresentado como um "banho de princesa" —que é um banho idêntico, mas durante o qual ela é chamada de majestade. Desculpem os monarquistas, sei que o tratamento correto seria alteza,
e desculpem também os militantes antiprincesa, sei o quanto esse imaginário pode ser maléfico a longo prazo pra uma menina. Mas sei também do quanto um banho pode ser benéfico a curto prazo. Aqui em casa pesamos os prós e os contras e preferimos uma filha que terá que fazer psicanálise no futuro a uma filha com o cabelo cheio de nós cegos no presente.

A frase "hoje vai ter festa do pijama na casa da vovó!", assim mesmo, com muitas exclamações, soa muito melhor do que a verdade: "Papai e mamãe vão te dropar na vovó porque querem beber e acordar às dez da manhã sem nenhuma criança em casa". Tudo é uma questão de rebranding.

Escovar os dentes seria impossível se não fosse o ratinho do "Castelo Rá-Tim-Bum" –"quando eu pego a minha escova eu só penso em rock and roll, roc, roc, roc"— aquela animação em que a escova luta contra bichinhos imaginários. A única maneira de abrir sua boca é fazer com que ela imagine que está sendo travada ali dentro uma batalha do bem contra o mal. Além da pasta com gosto de tutti frutti, claro.

Tinha medo de não saber cozinhar pra criança —mas descobri que tudo é uma questão do que os publicitários chamam de storytelling. Não importa tanto o molho do macarrão quanto o fato dele ser uma receita especial mágica secreta de família, e por isso é vermelho! Sim, igual ao vestido da Mônica. E de sobremesa a melancia não é qualquer melancia, mas a melancia da Magali. E tudo isso sem pagar royalties pro Mauricio de Souza.

E cá estou eu, rindo da sua ingenuidade, enquanto tomo um café especial cujo rótulo garante que ele foi cultivado por uma linda família numa serra paradisíaca a 1.200 metros de altitude lutando contra o oligopólio dos barões do café, enquanto frito ovos agroecológicos oriundos de uma galinha que certamente, não restam dúvidas, teve uma vida digna.

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