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Professor, militante do MTST e do PSOL. Foi candidato à Presidência da República e à Prefeitura de São Paulo.

Futebol e resistência

Como lembrou Kfouri, Tite não é Saldanha; e não temos um Reinaldo ou um Sócrates

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A realização da Copa América no Brasil, à beira dos 500 mil mortos, é um acinte. Um tapa na cara, como definiu o narrador Luis Roberto. De Bolsonaro e da CBF nada se espera, mas a resistência de Tite e dos jogadores, vocalizada pelo volante Casemiro, trouxe um alento. Pena que durou pouco. A pressão foi mais forte e o grupo recuou, mas, se decidisse ir adiante, inspirações não faltariam.

Tite durante o jogo Brasil 2 x 0 Equador, no Beira-Rio - Silvio Avila/AFP

Em 1970, nos anos de chumbo da ditadura, o general Médici quis intervir na convocação da seleção de João Saldanha, que respondeu: "o presidente escala o ministério dele e eu escalo meu time". Foi demitido, a mando do ditador, às vésperas da Copa. Mas, antes disso, João Sem Medo —como era conhecido— utilizou o sorteio dos grupos, no México, para distribuir um dossiê denunciando as torturas e prisões do regime. Tempos depois, Saldanha definiu Médici como o "maior assassino da história do Brasil" e justificou sua decisão dizendo que "não poderia compactuar com um ser desses".

Outro que honrou a amarelinha foi o atacante Reinaldo. O artilheiro do Atlético Mineiro comemorava seus gols com o punho cerrado, à maneira dos Panteras Negras, num gesto contra o racismo e a ditadura. "O autoritarismo emburrece a sociedade", dizia. Antes de embarcar para a Copa de 1978, o general Geisel deu a ele o recado de intimidação: "Vai jogar bola, deixa que a política a gente faz". Em resposta, no jogo contra a Suécia, Reinaldo marcou o gol do Brasil e, aos olhos do mundo, comemorou a seu modo. A coerência lhe custou, dois jogos depois, a vaga de titular e mais adiante o veto na Copa de 1982 após uma campanha de difamação. "O corpo fascista do país começou a me minar", disse ele, sem recuar de suas posições.

Impossível falar do encontro entre futebol e resistência sem citar Sócrates. Ícone da Democracia Corinthiana e figura ativa no movimento pelas Diretas, o Doutor fez história dentro e fora de campo. Deu exemplo de como um jogador pode utilizar o prestígio popular para representar o sentimento de indignação da sociedade. No caso dos ataques a Reinaldo, ironizou o pretexto de "cachaceiro" para tirá-lo da Copa: "Eu bebia numa noite o que o Rei bebia num ano".

Enfim, já tivemos grandes ídolos da seleção desafiando os arbítrios do poder. É verdade, como lembrou Juca Kfouri, que Tite não é João Saldanha. E estamos longe de ter alguém como Reinaldo ou o Doutor em nosso elenco. Mas, se decidisse hoje desafiar Bolsonaro, a seleção entraria para a história, com um tamanho incomparavelmente maior do que qualquer título que possa trazer. E, de quebra, resgataria a honra da camisa canarinho, tão manchada por apropriações indevidas. Perderam uma oportunidade de ouro.

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