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Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

Show da posse de Lula ignorou o sertanejo, gênero mais popular do Brasil

Festa organizada por Janja foi bastante excludente do que é a cultura brasileira nos dias de hoje

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A festa da posse de Lula aconteceu no último domingo sem que nenhum sertanejo fosse convidado. O governo petista de matriz popular simplesmente ignorou o gênero musical mais popular do Brasil.

A festa foi realizada num palco montado na Esplanada dos Ministérios, organizada pessoalmente pela primeira-dama, a socióloga Rosângela Lula da Silva, a Janja.

Palco dos shows do festival do Futuro, da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, na Esplanada dos Ministérios - Pedro Ladeira/Folhapress

Entre os artistas que fizeram shows estiveram Kleber Lucas, Alessandra Leão, Chico César, Geraldo Azevedo, Fernanda Takai, Francisco El Hombre, Luê, Flor Gil, Johnny Hooker, Lirinha, Marcelo Jeneci, Odair José, Otto, Paulo Miklos, Pabllo Vittar, Valesca Popozuda, Drik Barbosa, Marissol Mwab e tantos outros.

Exceto por alguns nomes realmente populares, como o pastor Kleber Lucas e a funkeira Valesca Popozuda, chamou a atenção o fato de que a grande maioria dos artistas é desconhecida das massas brasileiras.

E mesmo nomes reconhecidos do passado, como Geraldo Azevedo e Martinho da Vila, têm pouquíssima expressão no grande público de hoje, especialmente os mais jovens, como notou a repórter deste jornal Anna Virginia Balloussier.

Lula foi eleito como líder de uma frente ampla democrática contra um governo golpista. A aliança com Alckmin e o apoio de nomes importantes como Marina Silva foram fundamentais como símbolos da proposta de frente ampla. No segundo turno, o apoio de Simone Tebet foi importante para garantir a estreita margem da vitória. Tudo isso parece ter sido esquecido na escolha do elenco da festa.

Um crítico deste colunista poderia dizer: ora, os sertanejos são bolsonaristas, por que se misturar com eles? Tratar os sertanejos em bloco, como se eles fossem todos reacionários bolsonaristas, é o primeiro erro da festa de Janja. Se quisermos dialogar com o Brasil amplo, é preciso ver as brechas. Elas existem e não são poucas.

Se Pabllo Vittar foi chamada, por que Gabeu não o poderia? O jovem Gabeu, filho do sertanejo Solimões, vem construindo carreira interessante misturando música sertaneja e temática queer.

E o que dizer de bolsonaristas arrependidos. Não caberiam na festa de uma frente ampla? Se sim, talvez o cantor Eduardo Costa fosse considerado. Depois de apoiar a eleição de Bolsonaro, Costa se arrependeu amargamente e gravou a música "Cuidado" durante a pandemia, uma crítica aos desmandos do governo de extrema direita.

Há também o caso de sertanejos que se desgastaram em família, como tantas no Brasil. Xororó seguiu os filhos Sandy e Júnior e discordou do bolsonarismo entusiasmado de Chitãozinho. Será que Xororó, Sandy e Júnior topariam aparecer numa festa verdadeiramente democrática de frente ampla? Talvez sim.

Marília Mendonça, morta em 2021, havia participado do movimento Ele Não, crítico a Bolsonaro, em 2018. Talvez, se estivesse viva, topasse participar de um evento amplo e democrático. No lugar dela, a cantora Lauana Prado se destacou dando declarações contra Bolsonaro. É uma das raras sertanejas que declararam voto em Lula. Foi considerada para a festa de Janja?

Outro que talvez topasse cantar numa festa ampla, geral e irrestrita fosse o cantor Victor Chaves, em carreira solo depois de romper com o irmão Leo. Chaves publicou em sua conta do Instagram um bonito trecho do discurso de posse do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, no qual ele diz que as minorias existem e são valiosas para o novo governo.

Completando o ministro, Victor Chaves escreveu: "Se alguém fala sobre a importância do próximo, indistintamente, há como não anuir? Estamos num tempo em que o óbvio se faz valer, se for para importar-se com os outros".

Batizado de Festival do Futuro, a festa organizada por Janja foi bastante excludente do que é a cultura brasileira nos dias de hoje. Se a intenção da festa era celebrar um governo de união nacional em torno da democracia, o que tivemos foi o primeiro indício de um estelionato eleitoral comparável ao de 2014.

O eleitorado de Lula em 2022 não foi composto apenas de petistas, mas de muitos cansados dos desmandos e loucuras bolsonaristas. Convém não jogar essa diversidade no lixo em troca de purismo estético e político. Tomara que a festa da posse não tenha sido a antessala do novo governo.

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