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Posse de Lula poderia ter line-up mais popular, e não só 'esquerda festiva'

Grupo de músicos convocado por Janja fala mais com o nicho do que com o povo, desperdiçando chance de reconexão

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São Paulo

Rosângela da Silva, a Janja, futura primeira-dama do Brasil, explicou que chamaria "artistas que estiveram conosco na nossa caminhada" para o que chamou de Festival do Futuro, com shows que embalarão o retorno do seu marido à Presidência.

Pablo Vittar no evento Brasil Esperança, da campanha de Luis Inácio Lula da Silva, em SP - Eduardo Martins/Agnews

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomará posse de seu terceiro mandato no primeiro dia de 2023, com uma festa em Brasília realizada sob a névoa da eleição mais polarizada do Brasil redemocratizado. A trilha sonora divulgada nesta quarta (30) não sinaliza muito para a necessidade de remendar esse país em frangalhos com o racha político.

Eis o line-up já confirmado:

1. Pabllo Vittar
2. BaianaSystem
3. Duda Beat
4. Gaby Amarantos
5. Martinho da Vila
6. Gilsons
7. Chico César
8. Luedji Luna
9. Teresa Cristina
10. Fernanda Takai
11. Johnny Hooker
12. Marcelo Jeneci
13. Odair José
14. Otto
15. Tulipa
16. Almerio
17. Maria Rita
18. Valesca Popozuda

Janja contou ainda que convidou pessoalmente Gilberto Gil, Caetano Veloso, Ludmilla e Emicida. O quarteto ainda não disse se topa.

Vá para as periferias brasileiras, tenham elas feito o "L" de Lula ou empunhado arminhas com a mão, à moda do fã-clube de Jair Bolsonaro (PL), e teste quantos desses nomes têm real tração ali. Há uma ou outra exceção, mas a maioria certamente vai passar batida.

Mesmo totens da MPB, como Gil e Caetano, ou o samba de Martinho da Vila, têm alcance reduzido nas massas de 2022.

O batalhão convocado por Janja é em peso abertamente lulista. São todos nomes de excelência musical, e não há mal algum em terem escolhido um lado da contenda eleitoral. Sobretudo quando, do outro, estava um governo que pigarreou sobre as políticas culturais, com direito a um secretário que emulou um discurso nazista, e outro que prefere armas a leis de incentivo para a área.

Chama atenção, contudo, uma curadoria que optou por um conjunto que fala muito mais com um nicho do que com o povo.

O ritmo mais ouvido hoje, no Brasil, é o sertanejo. A princípio, não é um terreno amigável para prospecções à esquerda, dada a predileção pelo bolsonarismo entre ídolos do gênero musical. Mas não precisava cavar fundo para encontrar figuras simpáticas a Lula. Lauana Prado, da linha de frente do chamado feminejo, nunca escondeu seu desprezo pelo atual presidente, por exemplo.

O ranking de artistas mais escutados no Brasil é ideologicamente fraturado, mas há gente graúda que, durante a campanha, pendeu para a esquerda. Anitta até se estranhou um pouco com o campo progressista depois, mas foi um cabo eleitoral importante para o presidente eleito.

João Gomes, um daqueles nomes ignorados por um punhado elitista, mas amado por multidões, está na proa do piseiro, gênero que faz um baião musical com forró, eletrônica, bregafunk, arrocha e sertanejo. Puxou um coro contra Bolsonaro no Rock in Rio. Seria um convite interessante para a data.

Volta e meia emerge à superfície virtual um vídeo de Mano Brown em 2018, num comício para o presidenciável petista na época, Fernando Haddad, numa casa de shows do Rio. Brown disse então que falar bem do PT para a torcida do PT era fácil. Importante mesmo era "o partido do povo entender o que o povo quer". E a sigla não estaria fazendo bem o dever de casa. Aprendeu a lição?

O PT ganhou em 2022, mas por um triz, e tendo como adversário um governo que trançava as pernas em vários departamentos, do econômico ao sanitário.

Claro que não é um line-up montado por Janja que vai definir os rumos da nova gestão lulista, o quão capaz ela vai ser de se reconectar com largas fatias da população que pularam para o barco antipetista. Mas estamos falando de simbolismo aqui.

Para não passar a impressão de uma farra com abadá político, a festa da posse poderia ir além da esquerda festiva, esse rótulo que opositores usam com escárnio, e que parcela progressista se apropriou com notas de autodeboche.

Pode até fazer sentido que artistas que "estiveram conosco na nossa caminhada", como definiu Janja, sentem na janelinha. Mas o bonde histórico, se quiser ser verdadeiramente popular, poderia ser maior do que isso.

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