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Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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tecnologia

Conversas com os mortos

Escrita é ferramenta melhor do que a IA para estabelecer o diálogo intergeracional que integra a humanidade

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São Paulo

Project December, uma plataforma baseada em inteligência artificial (IA), permite que as pessoas conversem com os mortos. Não tenho nada contra explorar todos os recursos da IA, mas receio que a primazia do diálogo com os mortos caiba a uma outra tecnologia 5.500 anos mais velha, a escrita.

Foi a escrita que criou as avenidas intergeracionais que integram a humanidade. Através dos livros, podemos estabelecer uma relação, individual e coletiva, com autores tão diversos quanto Aristóteles, Avicena e Tolstói, todos mortos. Sem os livros, dificilmente teríamos acumulado o conhecimento necessário para, entre outras coisas, desenvolver a IA.

Vou um pouco mais longe e afirmo que o diálogo pela escrita é superior a seu concorrente digital. Embora nenhum autor controle inteiramente a leitura que os pósteros farão de seus textos —Marx que o diga—, a escrita pelo menos cria alguns limites objetivos. Há o que o autor escreveu e o que ele não escreveu. Na IA não existem tais barreiras. Os mortos simplesmente não dispõem de nenhuma arma para proteger-se de presunções e da imaginação alheias.

A prova disso é que o Project December pede surpreendentemente poucas informações para simular um morto. O chatbot se contenta com uma breve descrição e uma citação, a partir da qual emula o estilo. Isso é possível porque esses programas, operando com métodos estatísticos e megabancos de dados, que refletem as experiências e preferências de bilhões de humanos, tentam adivinhar aquilo que queremos ouvir. A taxa de sucesso é grande porque clichês e repetições estão muito mais profundamente entranhados em nossas existências do que gostamos de admitir.

A nova tecnologia é fascinante, divertida e tem potencial terapêutico. Mas, se você quer de fato conversar com os mortos, precisa ater-se ao que eles pensaram e registraram. No mundo macroscópico em que vivemos, o tempo ainda é irrevogável.

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