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Jornalista especializada em vinhos, editora executiva da revista Gama e autora da newsletter Saca Essa Rolha

Se garimpar direitinho, vai dar para beber Borgonha sem falir

Região hype e de altos preços tem nas áreas desconhecidas uma oportunidade

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É triste lembrar que o mundo do vinho é um espelho do mundo real no que diz respeito às desigualdades. E isso tem piorado: os jovens de hoje que querem se educar na área terão menos chances de provar os grandes vinhos do mundo, aqueles que carregam as características geográficas e tradições de um lugar e portanto se tornam únicos —não por acaso, são os preços deles que mais têm escalonado nas últimas décadas.

Em relação a meus colegas que começaram na área há 30 ou 40 anos, estou em desvantagem para provar, por exemplo, o que é feito na Borgonha. Segundo a crítica inglesa Jancis Robinson, quem gosta dos vinhos dessa denominação de origem é masoquista. Para Dan Keeling, um dos nomes mais quentes do vinho hoje, fundador da revista "Noble Rot" e dono dos restaurantes de mesmo nome na Inglaterra, a pandemia foi crucial para transformar em impraticáveis preços que já eram altos.

Espelho também das engrenagens do capitalismo, a Borgonha é a região mais cobiçada hoje por amantes do vinho, com uma combinação perfeita de atributos que vão desde uma história que remonta à Antiguidade —no começo dos anos 2000, arqueólogos encontraram um vinhedo do século 1° em uma cidade romana perto de Gevrey-Chambertin— até seu terroir. Ou, melhor dizendo, seus terroirs.

Isso porque, embora a Borgonha seja menor em área que Bordeaux e Champagne —29,5 mil hectares contra 110 mil e 34,3 mil, respectivamente— e não tenha como expandir seus vinhedos, é a região que tem mais bem mapeada sua diversidade de características e sabe tirar bom proveito dela, usando cada pedaço de terra da melhor maneira possível. São pequenos produtores que dividem vinhedos, estejam eles entre os melhores ou os menos celebrados.

Vinhedo na Borgonha - Reprodução

São apenas quatro uvas permitidas por ali, duas brancas (chardonnay e aligoté) e duas tintas (pinot noir e gamay). Ainda assim, a diversidade de aromas, texturas, sabores e estilos é incalculável. As características podem variar de acordo com as AOCs, as denominações de origem controlada, e também com a "hierarquia de valor", cujo degrau mais baixo seria o do vinho regional, que estampa nos rótulos o nome Bourgogne e que pode misturar uvas de várias localidades.

Um patamar acima estão os village, aqueles que levam os nomes das cidades. Nesta divisão, já conseguimos ver que um Chardonnay de Chablis, ao norte, de clima frio e solos calcários, é mineral e pode ser salino com notas de giz, enquanto um Mâcon, mais ao sul, traz notas mais generosas de fruta madura (maçã, pera, damasco e pêssego) e mais volume na boca.

Mas os preços desconfortáveis —ou impossíveis— mesmo estão nos dois últimos degraus, os premier crus e os grand crus, que são feitos com uvas de um mesmo vinhedo e levam seus nomes.

O que faz então quem quer entender por que a Borgonha é tão especial? Como provar?

Além de focar no regional e no village, que costumam ter preços menos impeditivos, minha dica é apostar em vinhos da região que parecem genéricos, mas são "fora da curva" justamente por burlar as regras.

Chegaram ao Brasil há pouco tempo os vinhos da Pierre André, casa fundada em 1927 (bem jovem para a região), parte de um grupo gigantesco, o Grand Chais de France, que detém vinícolas em quase toda a França e marcas mais populares, como a J.P. Chenet, e que talvez por isso mesmo consiga oferecer preços possíveis.

Barris na cave da vinícola Pierre André, na Borgonha - Divulgação

Provei todos os vinhos do catálogo que estão no Brasil pela importadora Grand Cru e destaco, entre os brancos, justamente o Mâcon-Villages Vaucharmes AOC 2022 (R$ 263) e o Chablis AOC 2022 (R$ 314). Para a executiva da marca para a América do Sul, Alizé Drouet, o Chablis virou uma marca tão poderosa internacionalmente porque, além de fazer vinhos com características marcantes, é a sub-região da Borgonha que mais produz, além de ter fácil pronúncia.

A dica dela, aliás, é explorar as localidades de nomes mais esquisitos, pois é provável que ainda não sejam tão pop e que os preços sejam mais amistosos. "Nós temos AOCs demais", comenta.

Entre os tintos, o Pierre André Bourgogne Hautes-Côtes de Beaune Les Forges AOP 2021 (R$ 331) impressiona bastante, com complexidade aromática e muita textura na boca. Já o Coteaux Bourguignons AOC 2022 (R$ 186,92), o mais barato da turma que vem da mais nova AOC da Borgonha, é um gamay alegre e descomplicado, mas que tem bela textura e uma nota de charcutaria deliciosa.

Vai uma taça?

Outra informação importante para comprarmos Borgonha é ver a história do produtor. Clotilde Davenne também faz vinhos com bastante competência e o Mâcon Rouge (De La Croix, R$ 174) tem corpo leve e acidez boa para acompanhar um jantar sem pesar. Outro Bourguignon de preço amigável é o Domaine Du Four Bassot (Anima Vinum, R$ 167), que segue a mesma ideia de facilidade. Entre os brancos, o Tonnerre Bourgogne Le Parc du Château (idem, R$ 186) é um bom regional de Chardonnay.

Vinho Pierre André, da região da Borgonha - Divulgação

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