Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

Flauta, piolho e filhos

Os hippies têm hoje uma imagem romântica e positiva. Mas quem viveu a época sabe que não foi bem assim

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Leitores discordaram de coluna recente (6/9) em que, ao me referir aos hippies, escrevi que se dedicavam a levar a vida na flauta, ao cultivo de piolhos e ao fabrico de filhos. Consideraram-na afirmação preconceituosa, careta. Entendo essa discordância. Cinquenta anos depois do fato, os hippies ganharam uma imagem positiva, de pacifismo, desapego e harmonia com a natureza. Mas os que viveram a época sabem que não foi bem assim.

Os hippies não eram pacifistas. Eram alienados, desinteressados de tudo. Pacifistas eram os rapazes e moças americanos que saíam às ruas contra a Guerra no Vietnã, enfrentavam a polícia, apanhavam e iam presos. Enquanto isso, em suas comunidades, os hippies dedicavam-se a olhar para o céu, decifrando os significados que o ácido ou o fumo emprestava às nuvens. Essa alienação revoltava os jovens de esquerda, que desafiavam as ditaduras na América do Sul. E vamos supor que não fosse simples alienação. Nas décadas seguintes, soube-se de muitos mais ex-hippies que aderiram à extrema direita que a outras correntes políticas.

Os hippies eram contra o trabalho burguês, mas não se opunham a que os burgueses trabalhassem por eles. Há uma ideia romântica de que viviam em comunidades solidárias, valendo-se do que produziam. Sim, houve isso, mas não só. Muitos hippies moravam nas cidades, à custa de alguém em quem se encostassem e lhes desse casa e comida —e, se esse alguém protestasse por ver um deles abusando de sua generosidade e saindo com suas calças e camisas, ouvia o deboche: "Ainda tá nessa de posse, xará?".

Nem sempre a relação dos hippies com a natureza era de harmonia. Seus acampamentos rurais eram depósitos de lixo e assim eram deixados quando eles se mudavam. E talvez tivessem mais filhos do que pudessem dar conta. Não eram crianças saudáveis. Não iam à escola, não aprendiam a ler e suas alergias e crises de asma eram tratadas com curandeirismos.

Quanto aos piolhos, estavam erradicados nas grandes cidades em 1970. Um novo "estilo de vida" os trouxe de volta. A afirmação não é minha. É da OMS, a Organização Mundial da Saúde.

Público no festival de Woodstock, em 1969 - Reprodução

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