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Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Onde estão os adultos?

Hiperproteção dos pais é um naufrágio para os filhos

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Chegar aos 18 anos, ter permissão para dirigir, ir para a universidade. Ter casa própria. Não depender tanto dos pais e, se possível, ir tocando a vida de forma cada vez mais autônoma. Esse era o sonho da minha geração.

Mia Sara, Matthew Broderick e Alan Ruck no filme 'Curtindo a Vida Adoidado', de 1986 - Divulgação

Não é o sonho da geração atual. Dou um exemplo: amigos meus, com filhos na universidade, têm um conhecimento detalhado das rotinas da descendência, sobretudo das acadêmicas.

Sabem as datas dos exames. Sabem as notas correspondentes. Alguns continuam a contatar os professores para obterem mais informações sobre os filhos, apesar de, legalmente, os professores universitários não poderem partilhá-las. Os filhos são adultos. Mas, para os pais, a idade adulta não passa de um pormenor.

Recuo para os meus 18 anos. Era inconcebível que os meus pais soubessem, com detalhe, as minhas aventuras ou desventuras acadêmicas. Sem falar das outras, claro, que provavelmente teriam causado infartes na família.

Aplicando a velha máxima que Noel Coward recomendava às atrizes mais neuróticas (“Querida, decora as falas e não atropeles a mobília”), tudo que interessava era saber que a vida rolava normalmente e que o filho não andava a atropelar as mobílias.

E, sobre contatar os professores, digamos apenas isso: era tão impensável que, de fato, ninguém pensava —nem pais, nem filhos.

Podem existir vantagens no envolvimento parental moderno: melhor ter pais que se interessam do que duas múmias de museu. E, em casos graves, a omissão dos progenitores pode ser criminosa.

Mas não haverá também desvantagens profundas quando se prolonga a dependência para lá do razoável?

O Higher Education Policy Institute, um importante “think tank” britânico para as questões de educação, realizou um estudo com 14 mil alunos universitários. Só para saber se eles permitiriam que as universidades partilhassem com as respectivas famílias informação pessoal sobre os alunos.

Por “informação pessoal”, entenda-se: “problemas psicológicos”, uma categoria suficientemente vaga para incluir a mera ansiedade própria da idade mas também quadros clínicos mais severos.

Os resultados não me surpreendem: 4 em 5 deram o seu OK. Desconfio até que, para a maioria, a pergunta nem faz sentido porque a resposta é óbvia.

Para a minha geração, também era: 4 em 5, aposto, jamais dariam essa permissão. A maioridade era uma conquista para ser exercida e defendida. Mesmo, ou sobretudo, com os seus obstáculos, dramas e cicatrizes.

É por isso que nunca participei no coro de insultos aos chamados “snowflakes” —jovens adultos que são incapazes de lidar com o mundo, e sobretudo com os aspectos mais deploráveis dele, por sua conta e risco.

Sentem-se ofendidos ao mínimo sinal de discordância. Exigem “espaços seguros” nas universidades porque há matérias que os fragilizam.

E, em termos de equilíbrio mental, apresentam distúrbios que seriam mais compreensíveis em veteranos de guerra.

A culpa, se a palavra se aplica, não é deles. É dos pais, que acorrem aos náufragos ao mínimo sinal de alarme. Aliás, os náufragos, em pânico, são os primeiros a gritar socorro.

A pergunta, inevitável e final, é saber se essa hiperproteção não é uma das causas do naufrágio. E se não seria mais prudente, até para o bem deles, exigir aos filhos que aprendessem a nadar.

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