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Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Destino da democracia nos EUA depende de derrota clara do trumpismo

Sistema só floresceu quando conservadores foram capazes de aplacar a fúria dos seus renegados

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Nas vésperas de Joe Biden tomar posse como 46º presidente dos Estados Unidos, uma conversa conhecida voltou às primeiras páginas depois do assalto ao Capitólio: será Donald Trump um fascista?

Não vou perder tempo com a vulgar noção de fascista. Usado como mero insulto por militantes de esquerda, fascista é qualquer pessoa que não pensa como eles.

Aliás, esse uso e abuso da palavra —essa banalização do mal, digamos— acabou por desgastá-la e desfigurá-la. De tal forma que fascismo já não provoca calafrios na espinha de muitos democratas.

Se todo mundo é fascista, ninguém é fascista. Nem mesmo aqueles que mais se aproximam do rótulo. Eis como a história de Pedro e do lobo tem uma aplicação literal na discussão política do momento.
Por outro lado, sempre concordei com o historiador Emilio Gentile: a ideia de que o fascismo não foi derrotado em 1945 confere ao fenômeno uma natureza glamorosa e imortal que, perversamente, serve de propaganda para arregimentar novos fascistas.

Mas será que, dessa vez, a besta renasceu mesmo?

Dois historiadores que são especialistas no assunto apresentaram argumentos contrários nos últimos dias. Richard Evans, biógrafo de Hitler, afirma na New Statesman que Trump não é um novo Hitler.

Robert Paxton, que sempre recusou o título de fascista para Trump, mudou de ideia na Newsweek depois do Capitólio: aquele momento selvático pode ser a semente de um fascismo no horizonte, tal como aconteceu com a invasão falhada do parlamento francês pela extrema direita em 1934. Quem tem razão?

Pessoalmente, ambos têm razão porque ambos se concentram no presente e no futuro, não nas expressões mais ou menos autoritárias do Donald no passado (que, concordo, não faziam dele um novo Hitler ou Mussolini).

E, nesse quesito, saber se o trumpismo será um novo fascismo vai depender da forma como os republicanos, ou uma parte substancial deles, encararem a derrota a partir de agora. Vão aceitá-la ou negá-la até as últimas consequências?

As analogias históricas são relevantes e eu sempre me perguntei o que teria sido do mundo se a Alemanha tivesse sido destruída depois da Primeira Guerra Mundial. Materialmente destruída, entenda-se, como aconteceu na Segunda.

Será que Hitler e os seus peões poderiam dizer, com cara séria, que a Alemanha até estava a vencer a guerra em 1918?

Será que poderiam afirmar, nos seus encontros de cervejaria, que a pátria havia sido atraiçoada pelos “criminosos de novembro” (referência aos que assinaram o armistício de Compiègne)?

Os alemães não experimentaram a destruição dentro de portas —e foi assim que a mentira encontrou solo fértil (e intacto) para prosperar.

Há aqui uma lição: meias-vitórias, ou meias-derrotas, são uma espécie de veneno para as democracias —e um bálsamo para os ressentidos. Razão pela qual o destino da democracia americana depende de uma derrota clara do trumpismo.

Isso significa, em primeiro lugar, que o impeachment seja aprovado pelo Senado, com uma expressiva votação dos republicanos. Ninguém sabe se isso vai acontecer. É até duvidoso que aconteça.

Mas, se não acontecer, a história do conservadorismo também aqui oferece lições: a democracia só sobreviveu e floresceu quando os conservadores foram capazes de aplacar a fúria dos seus renegados.

Por cada Joseph de Maistre, houve um Edmund Burke disposto a acomodar a modernidade. Por cada Bonald, houve um Disraeli aberto aos desafios da democracia. Por cada Pétain, houve um Churchill apostado em esmagar o fascismo. As vergonhas da família são tratadas em família.

Em segundo lugar, a derrota do trumpismo será maior se Joe Biden mostrar magnanimidade na hora da vitória. Que o mesmo é dizer: repelindo “listas negras” de republicanos que colaboraram com a administração Trump (há sempre essa tentação revanchista) e optando, antes, pelas causas estruturais que o tornaram possível.

Entre elas, está a evidência de que uma parte da América não se beneficiou da globalização. Como aconteceu por todo o Ocidente industrializado, a inovação tecnológica, mais até do que a deslocalização de postos de trabalho para as economias emergentes, permitiu produzir mais com menos trabalhadores.

Saber o que fazer a essa multidão sem eira nem beira, que existia antes de Trump e continuará existindo depois dele, será o verdadeiro teste do novo presidente.

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