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Escritora, doutora em filosofia e literatura alemã pela University College Cork e mestre em filosofia pela Universidade de Tel Aviv.

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Grupos de leitura e a importância da convivência na construção do saber

Encontros desse tipo transformam o aprendizado em momento de partilha e enriquem a compreensão de um texto

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No começo do ano letivo, sugeri aos meus alunos da graduação em filosofia que formássemos um grupo de estudo. Comentei que a leitura de um texto na companhia de outros colegas da mesma turma, bem como de estudantes mais velhos, trabalhando nos seus respectivos projetos de mestrado e doutorado, talvez fosse interessante para complementar os conteúdos passados em sala de aula e encorajar os mais tímidos ao debate.

Sempre gostei de grupos de estudo e pesquisa, e acredito que, talvez por estarmos reunidos em um número menor e sentados ao redor de uma mesa, em vez de empoleirados em um auditório, a dinâmica acabe ressaltando ainda mais a importância de uma vivência comunitária na construção do conhecimento.

Encontro do Clube de Leitura da Folha - Eduardo Anizelli-28.nov.17/Folhapress

Enquanto em sala de aula o estudante ainda pode encontrar uma maneira de disfarçar o próprio despreparo, bastando para isso permanecer em silêncio e fingir que está prestando atenção na aula, em um grupo de leitura, se alguém chega despreparado, todos sofrem, porque o debate parece não evoluir.

Do mesmo modo, se alguém chega para a reunião um pouco mais preparado do que os demais, acaba se tornando responsável por ajudá-los a atingir uma melhor compreensão do material a ser discutido.

Os benefícios de um grupo de leitura bem-disposto e organizado também favorecem o professor. Da mesma maneira que um aluno pode fingir prestar atenção nas suas exposições, o professor também corre o risco de se apaixonar pelas próprias opiniões, tornando-se indiferente às críticas e aos comentários dos estudantes.

Fora de sala de aula, no grupo de leitura, o professor já não tem como se esquivar das perguntas dos alunos. Afinal, a qualidade do debate depende da capacidade de seus participantes de lidar com todo tipo de questionamento.

O aluno deve se sentir livre para expor o seu conhecimento, apresentar as suas dúvidas e desenvolver as suas objeções ao texto, enquanto o professor deve estar sempre atento ao que é dito durante a reunião, ora chamando a atenção para um ou outro detalhe que possa ter passado despercebido, ora corrigindo o curso de um argumento e estimulando o estudante para que ele continue desenvolvendo o seu raciocínio, ou elencando as várias maneiras possíveis de se abordar um mesmo texto.

Um exemplo: depois de uma longa e prazerosa reunião do nosso grupo de leitura, tentei buscar na lembrança de onde vem o meu entusiasmo por esse tipo de atividade, porque, às vezes, quando converso com meus colegas, tenho a impressão de que a maioria das pessoas prefere estudar sozinha.

Durante a graduação, participei de um grupo de estudos da "Fenomenologia do Espírito", de Hegel. Levamos um ano para concluir a leitura do livro, mas até hoje me lembro de muitas das discussões que tivemos. Depois, tanto no mestrado como no doutorado, juntei-me a grupos para estudar e debater as obras de outros pensadores, ao exemplo de Leibniz, Nietzsche e Heidegger.

Além disso, já coordenei grupos de leitura sobre Goethe e ainda coordeno um grupo de pesquisa sobre literatura e pensamento judaico, atualmente trabalhando com a obra de Isaac Bashevis Singer.

A presença dos grupos de leitura em minha vida nunca esteve restrita à discussão de temas diretamente relacionados à minha atividade profissional. Sempre encarei a leitura como uma atividade compartilhada. Muitas das minhas memórias de infância e adolescência envolvem a leitura e a discussão de um texto com meus pais, e acho que meu interesse por grupos de estudo e pesquisa nasce exatamente dessa experiência doméstica.

Lembro-me com muito carinho de umas férias em que não tínhamos dinheiro para viajar, e minha mãe sugeriu que lêssemos "O Meu Pé de Laranja Lima", de José Mauro de Vasconcelos. Depois foi a vez de meu pai incentivar que fizéssemos o mesmo com "Alexandre e Outros Heróis", de Graciliano Ramos, e aos poucos fomos incrementando a nossa lista de leitura. Líamos, conversávamos e meus pais também aproveitavam para me contar um pouco sobre suas vidas.

Esse foi um hábito que se perpetuou em nossa família. Agora mesmo estou lendo a obra de José Lins do Rego na companhia da minha mãe. Terminamos "Pedra Bonita" e "Cangaceiros" e, durante as próximas semanas, pretendemos embarcar no ciclo da cana-de-açúcar e reler "Menino de Engenho" e "Fogo Morto".

Deixo aqui, portanto, a sugestão para que o leitor também tente, à sua maneira, participar de um grupo de leitura e pesquisa, transformando o seu aprendizado em um momento de partilha.

Não prometo que o grupo seja capaz de operar milagres, fazendo com que todo e qualquer estudo se torne descomplicado, mas insisto que ele é uma ferramenta interessante, capaz de nos ensinar uma ou duas coisas sobre a importância da comunidade na construção do saber.

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