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Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

O evangelho segundo Caetano

Um dos maiores hits da música gospel brasileira terá uma versão nova com participação do popstar da contracultura

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Este mês acontece o lançamento do louvor "Deus Cuida de Mim", um dos maiores hits da música cristã brasileira de todos os tempos, com participação de Caetano Veloso.

O anúncio talvez cause estranhamento, com fãs se perguntando por qual caminho Caetano chegou ao gospel. Mas a gravação é histórica e apresentará esse gênero, o segundo mais popular no Brasil, a ouvintes que, em outras circunstâncias, provavelmente rejeitariam uma canção rotulada como cristã.

No estúdio que reúne a elite da música brasileira e internacional, uma funcionária reagiu à presença do cantor e compositor Kleber Lucas dizendo: - "Até que enfim [chegou alguém ‘dos nossos’]!" Kleber é o autor de "Deus Cuida de Mim" e quem convidou Caetano para participar da gravação.

Caetano Veloso durante ato em frente ao Congresso Nacional; parceria em música gospel - Pedro Ladeira - 9.mar.22/Folhapress

Kleber Lucas foi o artista gospel mais famoso a fazer campanha contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

Ele nasceu em São Gonçalo, na área metropolitana do Rio de Janeiro, e, como a maioria dos evangélicos brasileiros, é negro e cresceu em um bairro pobre e periférico. Hoje, além de fazer parte do panteão mais exclusivo do mundo gospel, autor de hits cantados em igrejas evangélicas espalhadas pelo país, ele também é teólogo, pastor na igreja Soul Batista e doutorando em história na UFRJ.

O nome de Kleber circulou nos cadernos de política da imprensa nacional quando foi anunciado, na semana da votação do primeiro turno, o lançamento da faixa "Messias", que denuncia o sequestro das igrejas evangélicas pelo bolsonarismo.

Ele e Caetano se encontraram participando da gravação do jingle "Vou pedir pra você votar" em apoio à candidatura Lula.

Músicos gospel e pastores que se posicionaram contra Bolsonaro nesta eleição estão pagando um preço alto pela "traição". Kleber é um "evangélicos raiz" que é influente, conhecido como artista por várias gerações de fãs, e fala a língua de milhões de cristãos pobres. Por causa do posicionamento político, a agenda de apresentações dele foi quase totalmente cancelada.

Caetano não é alheio ao tema do cristianismo evangélico. A entrevista que ele fez em 2018 com o pastor Henrique Vieira em seguida à eleição em que 70% dos evangélicos votaram em Bolsonaro —analisa temas espinhosos do fenômeno de maneira generosa e informada. Esse olhar sem preconceito possivelmente ajudou que a gravação acontecesse sem muito planejamento. Kleber fez o convite e dias depois a faixa estava concluída.

"Deus Cuida de Mim" chega ao público em seguida a uma eleição tensa e agressiva, marcada pela desinformação e pela intolerância, pelo debate sobre religião e moralidade, que deixou o país nas trincheiras. Como ela será recebida? É possível que ela ajude a sociedade a cicatrizar?

A letra fala sobre a superação de dificuldades: "Se uma porta se fecha aqui / Outras portas se abrem ali. / Eu preciso aprender mais de Deus / Porque Ele é quem cuida de mim." Uma amiga pentecostal, moradora da periferia de Salvador, descreveu a música como "um bálsamo em dias de tristeza".

A nova gravação deve também chamar a atenção de ouvintes que já consomem esse gênero. Eles são muitos. Segundo dados de 2019 coletados pela startup PiniOn, esse nicho musical é o segundo mais popular (35,9% da preferência) no Brasil, atrás apenas do sertanejo (41,9%). A audiência do gênero também cresceu durante a pandemia.

"Deus Cuida de Mim" estreou em 1999 e faz parte do repertório semanal cantado em milhares de igrejas evangélicas do país. E no mundo popular, quem não é evangélico também escuta sucessos gospel, que convivem em playlists lado a lado com gêneros "profanos" como o arrocha e o pagofunk.

Um amigo evangélico notou, ao escutar a versão nova de "Deus Cuida de Mim", que o resultado ficou fiel à própria canção, ao gênero, e também ao estilo de cantar e ao repertório de Caetano. Ela é semelhante, na origem popular, a "Sozinho". Considerada brega por ouvintes mais escolarizados, "Sozinho" se tornou uma das faixas mais ouvidas (mais de 53 milhões de vezes) entre as gravações de Caetano no Spotify.

Será interessante ver como evangélicos e não-evangélicos reagirão a essa gravação.

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