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Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

Perder é parte de um jogo lúdico, limpo e justo

O esquecimento do derrotado resulta na busca irresponsável da vitória a qualquer custo

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Poucos fenômenos sociais têm o poder de sustentar a meritocracia como o esporte. Sucesso e fracasso estão ali, diante do espectador, aquele que espera, pelo resultado da contenda, desejoso que o placar reflita a competição justa.

Definitivamente, o esporte tem muito a ensinar. A prática esportiva surge como a essência do espírito de superação de limites, e este estímulo é amplamente explorado para os mais variados fins, a depender do apelo que a imagem do protagonista comunica.

Vitória nenhuma deveria refletir outro jogo senão aquele que está nas regras e que envolve dedicação sem limite, capacidade de controle e, acima de tudo, respeito pelo adversário. O cumprimento desses quesitos seria o caminho natural do êxito que, consequentemente, levaria o vitorioso ao triunfo merecido.

Porém, a soberba e a vaidade por vezes dificultam o entendimento das coisas.

Tanto a vitória como a derrota guardam lições fundamentais, e isso não tem relação com a frase "o importante é competir".

Basta perguntar a quem efetivamente se preparou para a competição, com a perspectiva de superar a si mesmo e não necessariamente o outro, para saber o custo de uma não vitória.

Num sistema competitivo pouco educado, a conquista da primeira posição é o valor supremo da competição.

Observo com curiosidade o uso do termo superação no esporte. Ele está quase sempre vinculado aos vencedores, como se os derrotados não tivessem buscado o melhor de si. Parece haver uma magia ostentatória sobre a superação que aniquila no derrotado o esforço da conquista e da dedicação. E isso amplia a sombra social sobre a derrota e o seu sujeito.

Enquanto o pódio e os holofotes pertencem ao vitorioso, afirmando assim a glória de sua conquista, a derrota costuma jogar o derrotado no esquecimento.

Não são lembrados, nessa perspectiva, quem é ou o que fez aquele ser que por descuido, acidente ou ingenuidade na avaliação do adversário deixou escapar o triunfo.

Eles são apagados dos registros, das publicações, da história, contribuindo assim para a negação daquele "acidente". E esse insuportável esquecimento é responsável pela busca irresponsável da vitória a qualquer custo.

Ao derrotado restam a vergonha pelo objetivo perdido, a confusão com a incapacidade e a falta de reconhecimento pelo esforço realizado.

À frente, Novak Djokovic levanta o troféu do US Open. Ao fundo, o vice-campeão Juan Martin del Potro - Julian Finney/Getty Images/AFP

Se a competição na atualidade remete à necessidade da vitória como afirmação de superioridade sobre o adversário, vale ressaltar que não se pode pensar em competição nem vitória sem a presença do oponente.

Uma vitória não é idêntica a uma experiência de êxito. Da mesma forma que uma derrota não é, em si, uma experiência de fracasso.

A experiência de êxito surge quando o rendimento esperado foi alcançado ou superado. Já a de fracasso reflete a diferença negativa entre o resultado esperado e o obtido.

Em tempos de disputas acirradas no esporte, na política ou na vida acadêmica, esquece-se que o outro é uma referência fundamental para a construção de um projeto coletivo. E que perder é parte de um jogo lúdico, limpo e justo.

E a derrota pode levar a dois tipos de conduta: ou provoca o abandono da vida competitiva ou produz um fortalecimento de atitude.

O sentimento de inferioridade derivado da derrota, quando não se cristaliza em frustração permanente, produz a reorganização das forças pessoais. E aí está o princípio da superação.

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