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Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

Tragédia com skate mostra potência do esporte como linguagem

Ao se aproximarem das questões da sociedade, atletas se materializam no mito do herói

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A existência é mesmo uma grande aventura. Começa cercada de expectativa por parte daqueles a quem chamaremos de família. Nome, gostos, profissão começam a ser sonhados a partir do momento em que a notícia da gravidez é anunciada.

Chega então o momento do parto e, dali em diante, se inicia a contagem regressiva rumo à única certeza da vida. Mortais que somos, por mais façanhas que sejamos capazes de realizar, o fim será a certeza maior.

Entre os dois extremos da existência há um espaço infinito de possibilidades que pode ser preenchido com mais ou menos aventuras.

Sandro Dias, o Mineirinho, atendeu pedido para difundir medidas de segurança no skate após a morte de um praticante - Alexandre Rezende - 18.set.2011/Folhapress

Engatinhar e andar sobre as próprias pernas é talvez a grande proeza da infância, mas o risco da existência só aumenta com o passar do tempo. Por isso diariamente somos tentados a encontrar respostas para os desafios que surgem, sejam eles de ordem cognitiva, emocional e mesmo física.

O que custa a acreditar é que esse roteiro, naturalmente escrito, seja subvertido por uma morte súbita, em plena juventude.

Na semana que passou, quis o destino que Emerson Guimarães Viana Junior, 16, tivesse sua trajetória interrompida em uma rua de São Sebastião do Paraíso (MG). E ele é tema desta coluna porque morreu ao cair de um skate, sua paixão e sonho de futuro. Teve sua última manobra gravada em vídeo por um amigo que o acompanhava.

Junior dividia seu tempo entre as manobras na praça e nas ruas de sua cidade com o teclado do computador, na tarefa de transformar áudios de reuniões e entrevistas em textos, o labor e ganha-pão da família.

O skate, como prática esportiva e de lazer, remete a um estilo de vida. Vibra pela liberdade de ser experimentado em espaços públicos. Soma o desafio do enfrentamento da lei da gravidade com o desprezo às rígidas regras de modalidades inventadas para satisfazer a necessidade dos espaços fechados. Parece puro prazer. Porém, a minimização dos riscos pode causar acidentes, como o ocorrido.

A morte de Junior seria mais uma fatalidade não fosse a atitude da mãe, Rachel, de transformar sua dor em generosidade com outras famílias. Após o enterro, procurou ajuda buscando tornar aquele acidente um alerta. Junior se foi, mas seus amigos e outros jovens podem viver mais do que ele.

A partir do pedido de ajuda começou a se formar uma rede que envolveu o jornalista Tiago Brant, expert nos esportes de aventura, que levou a demanda ao multicampeão Sandro Dias, o Mineirinho, "Rei dos 900°", hexacampeão mundial pela World Cup Skateboarding e medalhista de ouro nos X Games.

Com a generosidade e humildade comuns ao gênios demasiadamente humanos, ele mandou um recado sobre a necessidade de uso de equipamentos de segurança que, naquele caso, poderiam ter evitado a morte. Esse vídeo agora circula pelas redes sociais.

Sei que cenas como essas tocam as pessoas mais sensíveis. O que de fato chamou a minha atenção foi a potência que o esporte é. Compreendido como linguagem universal, ele promove a aproximação, o encontro e o entendimento entre pessoas.

Se o atleta, razão de ser do esporte, é visto como inatingível quando realiza ações divinas durante a competição, ele se torna ainda mais idolatrado quando empresta sua imagem, de forma solidária, a uma causa que toca uma comunidade, aconselhando outros atletas e acalentando a dor da perda de uma mãe. Nada mais divino.

Do episódio ficam duas mensagens: que a vida é uma fina linha que se rompe facilmente; e que a imagem de atletas transcende sua habilidade motora.

Ao se aproximarem das questões da sociedade, emprestando a potência de sua imagem a outras causas, eles se materializam no mito do herói.

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