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A radicalidade discursiva de Evo Morales

Seu discurso sobrecarregado é sintoma de seu mal-estar político permanente

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José Orlando Peralta Beltrán

Evo Morales é um político que sofre de incontinência verbal. Suas mensagens, seja através de meios de comunicação tradicionais como o rádio, onde ele emite seus discursos políticos, ou pelas redes sociais como Twitter e Facebook, não deixam ninguém indiferente.

A partir desta radicalidade discursiva, — fatores endógenos — Morales mantém sua vigência na esfera pública nacional, enquanto na esfera internacional seus vínculos e o reconhecimento de algumas de suas políticas — fatores exógenos — lhe permitem implantar ideologicamente seu discurso e manter sua influência política.

Os fatores exógenos

Comecemos por este último. O reconhecimento do alcance econômico e as mudanças constitucionais durante a gestão de Morales como presidente são como vitaminas para seu discurso, pois nutrem sua imagem pública internacional.

A eleição de Pedro Castillo no Peru fortaleceu a corrente progressista na América do Sul representada pelos ex-presidentes Rafael Correa e Evo Morales. De fato, segundo Pedro Francke, porta-voz econômico de Castillo, “o país que mais se assemelha ao sistema econômico que o novo governo pretende construir é a Bolívia”. Não é por acaso que Evo participou como convidado especial de sua posse e participou dos atos cerimoniais, ocupando lugares reservados para autoridades locais ou chefes de Estado.

Por outro lado, a imagem de Morales também foi impulsionada pela nova Convenção Constitucional no Chile. A Bolívia é o grande exemplo de construção de um Estado plurinacional, um tema que o Chile, cuja constituição não reconhece a existência de povos originários, tem pendente e que não foi abordado por nenhuma das três Constituições anteriores. “Cada dia fica mais claro que o Chile vai se definir como um Estado plurinacional, como fez a Bolívia em seu tempo”, afirma o acadêmico Javier Couso, da Universidade Diego Portales do Chile.

Fatores endógenos

Evo, como político, necessita se manter vigente no campo política e se sentir vivo após mais de uma década governando. É um ator que sabe ser e fazer no campo político e, neste contexto, sua radicalidade discursiva é uma forma de retornar às suas origens para cobrar vigência e presença das margens do Estado. Desta maneira, consegue incidir no processo das decisões políticas do governo de Luis Arce, onde é considerado como líder simbólico e perpétuo do denominado processo de mudança.

Entretanto, da perspectiva do antagonismo, a virulência discursiva sobrecarregada que encarna é sintomática de seu mal-estar político permanente desde que renunciou ao cargo de presidente, após a rebelião cidadã de 2019, que surgiu da desafeição política acumulada por mais de três anos de autoritarismo e negação da alternância no poder.

Em outras palavras, a polarização discursiva que ele produz manifesta sua inimizade política com aqueles que ele categoriza como agentes da direita, imperialistas, membros de grupos secretos de poder, separatistas, racistas e oligarcas. Este discurso é amplificado e estilizado por seus escribas fiéis, nacionais e estrangeiros, para conservar sua identidade política nacional-popular-indígena mediante a construção constante de um inimigo público.

O poder judiciário determinado pelo poder político

A teoria do golpe de Estado é utilizada para justificar as ações políticas do governo nacional contra seus opositores e o principal troféu de guerra é a detenção da ex-presidente Jeanine Áñez. Um novo capítulo foi o envio de armas por parte do governo de Mauricio Macri ao grupo “Alacrán” da Gendarmeria Nacional boliviana para reprimir os protestos sociais contra o governo interino de Añez em novembro de 2019.

Assim, o golpe de Estado se converteu em um argumento político que determina a atuação da justiça boliviana contra os opositores, criminalizando-os. Isto foi incorporado ao discurso de Morales, que também aponta os atores estrangeiros como colaboradores de seus inimigos políticos internos, o que fortalece sua estratégia discursiva.

A polarização, no entanto, foi estimulada recentemente por um problema historicamente não resolvido: a distribuição injusta da terra. Aproveitando o interesse público que concita a problemática, Morales acusou, novamente, o departamento de Santa Cruz de separatismo, mas com uma conotação mais pontiaguda: golpista.

Em 3 de julho, ele publicou um tweet no qual assinalava que “a mal denominada cúpula da terra, organizada por grupos irregulares vinculados aos setores separatistas e golpistas de grupos secretos de Santa Cruz, busca o enfrentamento e o derramamento de sangue entre irmãos bolivianos” e, neste marco, a justiça “deve sancionar seus financiadores e operadores”.

O discurso político-ideológico de Evo Morales, apoiado pelos fatores mencionados, e que se enquadram sob o critério político de dividir o tabuleiro entre amigos e inimigos, busca impor um pensamento único e debilitar o pluralismo político. “Não haverá reconciliação com fascistas, racistas, a menos que entendam que nossa ideologia e nosso programa é bom para a Bolívia”, declarou recentemente com o claro propósito de se posicionar como candidato a presidente para o próximo período.

Apesar de sua radicalidade discursiva não ter nada de novo, chega onde outros não chegam, como setores populares, coletivos indígenas e camponeses, enquanto o centro político permanece debilitado. Entretanto, o mais preocupante da estratégia de Morales é que exacerba a polarização social com o propósito de ganhar uma nova eleição nacional motivada pelo revanchismo.

José Orlando Peralta Beltrán

Cientista político da Universidade Autônoma Gabriel René Moreno (UAGRM), em Santa Cruz, Bolívia. Mestre em Administração Pública e Governo Autônomo (Universidad Santiago de Compostela 2009-2010 - Espanha).

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