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Polarização em ascensão, confiança em queda

Num regime que não se tornou uma ditadura eleitoral, questão coloca em questão o clima de debate

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Alberto Ruiz Méndez

Alberto Ruiz Méndez é doutor em filosofia e professor na FFyL, UNAM, Universidad Anáhuac México e Barra Nacional de Abogados. Coordenador do Projeto “Enfraquecimento ou consolidação da democracia na América Latina?” Estudante de pós-doutorado na Universidade Autónoma Metropolitana.

No dia seguinte às eleições presidenciais na Nicarágua, o vencedor, Daniel Ortega, chamou os outros sete candidatos de "filhos da puta dos imperialistas ianques". Presos por alegada "traição à pátria", Ortega mencionou que eles já "não são nicaraguenses" e deveriam ser levados para os Estados Unidos porque já "não têm uma pátria". Essas palavras exemplificam perfeitamente a atual polarização política em grande parte da região.

Qual é a origem desta dinâmica?

O famoso cientista político italiano Giovanni Sartori escreveu no seu livro Partidos y sistema de partidos: marco para un análisis que a polarização política pode ser entendida como a distância ideológica entre candidatos, partidos e eleitores, ou seja, é apenas mais um aspecto da dinâmica democrática. Assim como em um determinado momento poderá haver diálogo e consenso, em outro haverá polarização devido à heterogeneidade das posições políticas.

Mas hoje, como alguns estudos apontam, a polarização tem um ingrediente menos empírico e mais político-afetivo que a distingue do passado e a torna um problema estrutural das democracias atuais.

A polarização política deixa de fazer parte da pluralidade democrática quando três elementos estão entrelaçados. Primeiro, quando os atores políticos se recusam a participar de acordo com as regras do jogo democrático. Em segundo lugar, quando a pluralidade se alinha com duas tendências que transformam a política numa zona de conflito em vez do diálogo. E, finalmente, quando se institucionaliza um discurso que reforça uma dimensão afetiva que se estende para além das características políticas e atribui características físicas e ideológicas negativas que se tornam diferenças irreconciliáveis entre as duas tendências.

Hoje, assistimos a esse tipo de polarização nos meios de comunicação social. Há uma proliferação de publicações que destacam "qualidades negativas" do "outro" e encorajam reações de divisão nas pessoas: identifica-se "conosco" ou com "eles". Nesse contexto, as palavras do presidente nicaraguense cumprem as características e encorajam o atual processo de polarização. Vejamos.

Neste quinto mandato, a sua rejeição às regras do jogo – o primeiro elemento – reflete-se na prisão dos seus opositores antes do dia das eleições, na sua recusa em permitir observadores eleitorais e em promover o voto por correspondência no dia das eleições. Esses são claros indícios de um regime que não favorece a pluralidade ou permite a presença de adversários.

Ao referir-se aos seus opositores como "imperialistas ianques", Ortega reduz a pluralidade social a duas tendências – o segundo elemento –, por um lado, aqueles que o apoiam e que são, portanto, pessoas patrióticas e boas e, por outro lado, aqueles que são leais aos interesses estrangeiros e às pessoas más. Essa dicotomia identitária exige uma escolha por parte dos seus ouvintes.

Daniel Ortega acrescenta a dimensão afetiva – o terceiro elemento – ao mencionar que os seus adversários não são nicaraguenses e que já não têm uma pátria. Por outras palavras, tira-lhes toda a legitimidade, não só política, mas também moral, uma vez que liga a sua dissidência a uma marca de valor: estar contra mim é estar contra a pátria.

Num regime que não se tornou uma ditadura "eleitoral", esse tipo de polarização coloca em questão o trabalho da democracia para proporcionar um clima de debate e reflexão. Desse modo, as pessoas preferem responder a discursos que propõem soluções contundentes optando por alimentar a polarização política.

Quem pode estar a salvo do olhar inquisitivo daqueles que sentem que a sua pátria lhes pertence? A construção desta fronteira não é apenas um discurso político, é um discurso afetivo e emocional que instiga desconfiança nas pessoas em relação aos demais. Isso é corroborado por dados do Latinobarómetro 2021. De acordo com o relatório, a América Latina é a região mais desconfiada do planeta. Enquanto no resto do mundo a confiança interpessoal é, em média, de 29% entre os inquiridos, na nossa região é de apenas 9%.

No relatório Latinobarómetro do ano passado, nota-se que "a América Latina cai ao seu ponto mais baixo de confiança interpessoal desde 1996, atingindo 12%, o que representa um decréscimo de dois pontos percentuais em relação aos 14% alcançados em 2018.

Atualmente e no contexto de uma tripla crise de natureza econômica, sanitária e política, a polarização é um catalisador dessa sensação de desconfiança em relação aos outros. A desigualdade na região leva os latino-americanos a desconfiar das pessoas que os rodeiam, não porque os consideram uma ameaça, mas porque a prioridade perante a precariedade é "lutar" pela sobrevivência.

Os discursos políticos como os de Daniel Ortega não são apenas uma transgressão flagrante dos valores e princípios da democracia, são um incitamento à desconfiança no outro, naqueles que pensam de forma diferente, naqueles que não se parecem comigo, naqueles que falam com sotaque diferente, naqueles que não são "nicaraguenses", "mexicanos", "venezuelanos". A polarização construída sobre uma dimensão afetiva destrói toda a confiança interpessoal.

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