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É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

Descrição de chapéu jornalismo

Indignação recreativa é aliada dos trolls da desinformação

Objetivo de Bannon e dos Bolsonaros não é a persuasão ideológica, mas desorientar seus críticos

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Uma consulta às redes sociais, no último sábado (13), sugeria que a passagem de Jair Bolsonaro por Dubai era dominada por camarões. Boa notícia para os exportadores de pescado brasileiro?

Não, era só uma variação do produto favorito exportado pelos Bolsonaros, como definido pelo mentor do filho 03. Steve Bannon, o criminoso indiciado que deve rolar de rir da credulidade do deslumbrado parlamentar, explicou seu método em 2019: "A oposição real é a mídia. E a maneira de lidar com eles é inundar a zona de merda".

O presidente e seus filhos cumprem à risca a recomendação. A mídia, seguida da elite que mantém vínculos com a realidade, aumenta a velocidade do ventilador de merda.

O ex-conselheiro de Donald Trump Steve Bannon chega ao escritório do FBI, em Washington, antes de uma audiência agendada para enfrentar as acusações por se recusar a cooperar com a investigação do ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro - Brendan Smialowski - 15.nov.21 / AFP

Assim, o fim de semana foi desperdiçado com indignação recreativa sobre o tuíte do 03 criticando o camarão seco em um prato do ator Wagner Moura. A atenção sobre a viagem ao Oriente Médio foi diluída com sucesso pelas iscas de escatologia ou asneiras oferecidas pelo clã.

A indignação recreativa não é monopólio da esquerda, mas ela parece mais inclinada a devorar os seus. Como explicar a explosão de fúria digital contra o colunista da Folha Gustavo Alonso pelo texto publicado horas após a morte de Marília Mendonça? Tantos posts foram escritos por gente que leu não o texto, mas tuítes coléricos. O nível de bile condizia mais com a suspeita de que o colunista sabotou o motor do avião da cantora do que com o que ele escreveu. A energia devotada a destruí-lo é ótima munição para a extrema direita que envenena nossa cultura.

O ubertroll Steve Bannon sabe exatamente o que faz. Pode ter se encrencado com a lei, mas está ocupado jogando lenha na fogueira política. Bannon transmitiu ao vivo sua rendição ao FBI na segunda-feira (15), num espetáculo para desacreditar o processo criminal.

A fragilizada democracia americana não vai ser protegida pela Justiça criminal. Nem a brasileira. Só a liberdade de expressão não vai bastar para enfrentar o obscurantismo se o modelo digital é baseado em privilegiar desinformação e extremismo. É preciso, além de enfrentar os oligopólios da rede social, aumentar a imunidade cognitiva para não ficarmos consumidos por um tuíte sobre camarão seco.

Os trolls não são navios passando na noite digital. O empresário Elon Musk, que acaba de fechar parceria para fornecer internet ao Brasil, se comporta em público como um bêbado de botequim. O homem mais rico do mundo dirigiu sua baixaria a dois senadores americanos que criticaram sua resistência a pagar impostos. Musk disse que tinha esquecido que Bernie Sanders estava vivo e perguntou a Ron Wyden por que ele tem uma cara de quem acabou de ter um orgasmo.

Há três anos perguntamos com raiva: como foi possível pessoas inteligentes no nosso círculo de amigos ou parentes se iludirem em 2018? Fazemos a pergunta errada. Um alto quociente de inteligência pode facilmente se tornar aliado na hora de racionalizar o indefensável. Vivemos caindo na armadilha da tática diversionista numa guerra epistêmica em que o inimigo é a realidade. O objetivo dos trolls de Bolsonaro não é a persuasão ideológica, é desorientar seus críticos.

Se Bolsonaro for derrotado nas urnas, nada muda no ecossistema de realidade paralela que ele estimulou e usou como arma para governar. É uma luta assimétrica, porque um dos lados não acata fatos e considera a violência um recurso legítimo para capturar o poder.

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