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Pulp fiction e realpolitik

O capitão Bolsonaro desperta os anjos maus da nossa natureza

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As pesquisas, a rejeição ao petismo e os acontecimentos indicam a vitória de Jair Bolsonaro (PSL). Dois cenários se projetam para o Brasil.

O capitão toma posse. Direitos são relativizados e não ameaçam mais o bem-estar moral da maioria. O WhatsApp manipula a manada, aniquila o prestígio da imprensa e institui o império da falsa informação.

Toda nudez é proibida. Museus são dirigidos por religiosos. Nas escolas, o criacionismo substitui a ciência. Latrinas simbólicas são instaladas nos centros urbanos para despejo de exemplares impressos da Lei Rouanet e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

É o fim da malandragem adulta e infantil. São intoleráveis a crueldade contra animais de estimação, a apologia do crime (aborto e drogas) e o desacato à autoridade. O eixo monumental de Brasília é batizado "Brilhante Ustra", em memória da repressão política, vilipendiada pela esquerda. Movimento social é terrorismo.

Policiais não cometem excessos: lugar de vagabundo é na vala. O "capa-preta" (juiz ou promotor) contrário à nova ordem é aposentado compulsoriamente. Síndicos e vigias são agentes informais do capitão —desde que fiéis, atentos e justos. As milícias se multiplicam. O Estado oferece bônus anual de produtividade calculado pelo número de bandidos eliminados e presos. Despesa com armamento é dedutível do Imposto de Renda.

A meta do governo é desenvolvimento econômico e pleno emprego: o caminho é a desoneração do empresariado e a revogação de regras de proteção ao meio ambiente e à salubridade que inibem a produção. O amianto volta ao mercado. Danem-se o clima, o planeta, a ONU. Chega de chineses. "O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

O jornal francês Libération, fundado por Jean-Paul Sartre, anuncia o fim da Nova República.

O segundo cenário é mais ameno.

O general Oswaldo Ferreira, cérebro da futura administração, transmite lucidez e calma: "Será um governo estritamente legal". O projeto, agora, é normalizar a figura do capitão, revelar seu jeito simples de ser. Não é hora de assustar.

Assim como se atribui a FHC a recomendação de esquecimento do que ele havia escrito, assim como o PT contraria seus princípios, já se recomenda deslembrar barbaridades retóricas que Bolsonaro colecionou ao longo da vida.

O Brasil de hoje não é o de 1964. Imprensa livre, Ministério Público, Supremo Tribunal Federal e impeachment desencorajam o delírio político. Se as instituições falharem, existe (apesar da lerdeza diplomática) o Tribunal Penal Internacional, criado para deter facínoras.

A sedimentação autoritária é a conta-gotas.

Em relação a menoridade penal, "se você botar 16, você pode não aprovar", explica o capitão: "A proposta é passar para 17" e "devagar você chega lá". O Ibama "enche o saco"? A estrutura de licenciamento ambiental é "descentralizada" e perde eficácia. Desmatar é progresso.

Bolsonaro inverte narrativas históricas, mexe no Código Penal, condecora policiais que matam, entope as cadeias de bandidos, arma "gente de bem", mas a ordem constitucional permanece intacta. É tempo de humor grosseiro e filosofias bizarras.

Os cenários embaralham. O novo governo desperta, na expressão roubada de Steven Pinker, os anjos maus da nossa natureza. Sombrios e excitados seguidores do capitão (parcela menor de seu eleitorado) agem por conta própria cultuando intolerância e violência contra tudo e todos que deles se diferenciam.

lfcarvalhofilho@uol.com.br

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