Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Luís Francisco Carvalho Filho

Exóticas e invasoras

Plantar árvores nativas é correto, mas matar as de fora não faz sentido

Área de lazer destinada a cachorros no Parque Buenos Aires, em São Paulo
Área de lazer destinada a cachorros no Parque Buenos Aires, em São Paulo - Danilo Verpa - 14.set.16/Folhapress

Quem caminhou nos últimos dias pelo parque Buenos Aires, em Higienópolis, região central de São Paulo, notaria a interdição, para reformas, do local de lazer dos cachorros (amplo como o destinado às crianças) e um discreto aviso: “Estamos realizando a remoção de palmeiras-seafórtias, uma espécie exótica invasora”.

Os adjetivos “exótica” e “invasora” estão em negrito e sublinhados. O substantivo “remoção” encerra um sofisma: a motosserra deixou os tocos das palmeiras eliminadas, estes sim, depois, removidos.

Metáfora perfeita da realidade política, exóticas e invasoras são também as ideologias, sempre tratadas como fator de perturbação da paz social brasileira.

O historiador Boris Fausto anota que o pensamento reacionário forjou aqui a imagem botânica da “planta exótica” para rotular correntes ideológicas como o liberalismo francês de fins do século 18, o anarquismo da virada do século 20 e o socialismo.

No Estado Novo, Getúlio Vargas (protótipo fascista de governante que “remove” Olga Benário Prestes, comunista, judia e nociva, para campo de concentração de Hitler) também tratou o integralismo como “ideologia exótica”. Durante a ditadura militar, auge da Guerra Fria, atos institucionais e leis de segurança eram motivados pela infiltração alienígena.

A percepção das duas candidaturas presidenciais que lideram a preferência do eleitorado em 2018 é a de que o adversário é “planta exótica”.

Se Bolsonaro, xenofóbico, homofóbico, misógino e difusor de agressividade e medo, representa o populismo de direita que se espraia pela Europa, Haddad surge como símbolo de inspirações estrangeiras —do bolivarianismo venezuelano ao comunismo personificado na vice Manuela D’Ávila, mais próxima de aluna extemporânea de “Merlí” (o seriado catalão) do que de uma revolucionária real, adepta do receituário fora de moda da China ou da Albânia.

O PT, que deixou como legado dois presidentes da República ridículos (Dilma e Temer), além de culpar os outros pelos próprios pecados e, com arrogância, dividir o mundo entre “nós” e “vocês”, promove o ódio às “elites”, pavimentando a eleição de Bolsonaro e sua tigrada.

Plantar árvores nativas é correto, matar “invasoras e exóticas” não faz sentido. Do ponto de vista ambiental e estético, é incompreensível a “remoção” das palmeiras oriundas da Austrália. Fazem parte do desenho original de um dos mais belos jardins de uma cidade cinza.

A remoção é diretriz oficial da prefeitura, já acionada no parque Trianon, para a preservação de sinais de suposta mata atlântica. Exterminarão os pássaros (eles não respeitam a geografia política) que indevidamente disseminam sementes? Serão presos, por dano ecológico, os comerciantes malignos de mudas? Outras espécies “exóticas invasoras” do centenário parque Buenos Aires, como figueira-benjamim (Ásia), abacateiro (América Central), mangueira (Índia) e pés de café (Etiópia) serão sorrateiramente exterminadas?

É irônico que a diretriz municipal seja eficaz em governo do PSDB. O partido, faz tempo, abandonou o farol da social democracia para abrigar bancada da bala e pilantras de várias espécies, mas manteve certo compromisso com globalização, consenso de Washington e ruptura de fronteiras econômicas: agora, sem cerimônia, pratica uma estranha xenofobia arbórea.

Que a intolerância não alcance os emigrantes, homenageados no parque Buenos Aires por escultura de Lasar Segall. lfcarvalhofilho@uol.com.br

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.