Siga a folha

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

Descrição de chapéu Folhajus

Utopia negativa

Supremo manda recados para Bolsonaro e Witzel

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

A ADPF das Favelas, como foi batizada a ação movida pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) no Supremo Tribunal Federal, para inibir ações policiais nos morros cariocas durante a pandemia, é um sinal constrangedor da utopia negativa que prevalece no Brasil.

Não é obra de ficção.

Só facínoras são capazes de usar helicópteros em área residencial como plataforma de tiro e terror. Só facínoras promovem tiroteio de balas perdidas na vizinhança de escolas e hospitais. Só agentes corruptos e assassinos apagam os vestígios das ocorrências.

O Supremo invadiu esfera típica de governo porque, no Rio de Janeiro, mais do que em qualquer outro lugar, deixou de existir normalidade institucional em matéria de segurança pública. É talvez a pior polícia do Ocidente.

Nem nas guerras entre países se toleram tantos desvios de conduta. Por isso, mesmo sendo desnecessário tecnicamente, o Supremo reafirma o dever de o Ministério Público investigar as violações cometidas.

A cautelar concedida pelo plenário do STF tem efeito meramente retórico, mas alcança a aliança ideológica que venceu as eleições no Brasil em 2018. Wilson Witzel e Jair Bolsonaro estão circunstancialmente afastados, mas o governador sempre cumpriu aquilo que o presidente promete e almeja —confronto armado como política pública.

Para Witzel, acuado pelo processo de impeachment, a decisão é demolidora. Cria protocolos a serem seguidos. Mesmo indeferindo, "por ora", o pedido de apresentação, em 90 dias, de um plano para redução da letalidade policial, o Supremo estabelece, indiretamente, a obrigação moral de reduzi-la.

Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, e Jair Bolsonaro, presidente do Brasil - Mauro Pimentel/AFP

O voto vencido do ministro Gilmar Mendes é para que o governador do Rio de Janeiro se abstenha "de proferir manifestações que incitem a prática de crime ou façam apologia de fato criminoso", sob pena de ser responsabilizado. Não é ficção.

A decisão também atinge Bolsonaro e sua legião de seguidores, formada por corporações policiais e militares e pela bancada da bala. Ele vê com naturalidade o descontrole da violência policial. Ele e seus filhos sempre homenagearam torturadores e milicianos. Jair fala como um tira corrupto: este é o seu principal sotaque.

Na mesma semana, outra ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), movida por outro partido político, a Rede Sustentabilidade, permitiu outro recado do STF (com efeitos meramente retóricos também) para Bolsonaro.

É verdade que o ministro da Justiça foi poupado, apesar da sua melancólica cumplicidade, e que o conteúdo do tal relatório antifascista permanece em sigilo, apesar da ilegalidade declarada, mas a decisão, contra a república dos arapongas e seus desvios de finalidade, liga um farol amarelo para o sistema de "inteligência" ambicionado pelo presidente.

Paradoxalmente, Bolsonaro vive seu melhor momento conforme o Datafolha. A estupidez, os desacertos e os desaforos de todos os dias não são suficientes para impedir o crescimento de sua popularidade.

Pessoalmente retraído pelas suspeitas que atingem sua família, mas sem deixar de conspirar contra os alicerces da democracia, e, com a máquina orçamentária e administrativa nas mãos, azeitando-se, gastando mais com militares e menos com saúde e educação, Jair Bolsonaro trabalha para se reeleger.

Além da perplexidade, no campo oposicionista há apenas a judicialização oportuna das diferenças políticas. É pouco. Não há ninguém para enfrentá-lo?

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas