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Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

Suprema Corte dos EUA é geradora de retrocessos

Pela primeira vez, o nitrogênio é utilizado para a asfixia de um criminoso

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O experimento, no Alabama, contraria recomendação da Associação Médica Veterinária Americana, que considera inaceitável a eutanásia de animais mamíferos, sem sedação, com o mesmo gás.

Quem testemunhou, semana passada, a execução de Kenneth Smith (condenado pelo assassinato de uma mulher em 1988, por encomenda do marido), relata instantes de sobrevivência. Foi declarado morto 32 minutos depois de iniciada a inalação do nitrogênio.

É a segunda vez (caso raro) que Smith participa do teatro da pena de morte. Em novembro de 2022, escapou da injeção letal porque as autoridades não encontraram a veia necessária para dar seguimento ao protocolo de execução.

Kenneth Eugene Smith, condenado à morte pela Justiça do Alabama - Divulgação Departamento de Correções do Alabama/via Reuters

Parece filme distópico. Enredo cruel, dolorido, o sofrimento do condenado é incomensurável. A permissão da Suprema Corte para o sucesso do experimento no Alabama é a cereja do bolo.

Há 20 anos a pena de morte está em acentuado declínio nos EUA: abolida em 23 estados; em 16, apesar de prevista em lei, há pelo menos dez anos a pena de morte não é, de fato, aplicada.

É cada vez mais difícil encontrar fornecedores das substâncias químicas necessárias para a injeção letal, razão pela qual métodos antiquados, como forca, fuzilamento e asfixia, ressurgem das cinzas. Aparentemente, o nitrogênio é fácil de ser obtido.

Ao não impedir (enfrentando apenas os três votos liberais de sempre) a temerária execução no Alabama –que tanto aprecia matar seus condenados–, a Suprema Corte dá musculatura política para adeptos da pena capital e movimenta os corredores da morte.

Donald Trump, candidato à sucessão de Joe Biden, flerta alegremente com a Suprema Corte, tribunal que, se necessário, assegurará sua elegibilidade. De novo na Casa Branca, Trump sufocará ainda mais a minoria liberal de hoje.

O tribunal, para alegria incontida de Trump, acaba de decidir que a cor da pele e a etnia não são mais critérios para ingresso de estudantes nas universidades.

Autor de um dos votos reacionários, Clarence Thomas, juiz negro nomeado por George Bush em 1991, apesar de ter se beneficiado de políticas afirmativas, admitiu recentemente ter recebido, ao longo da vida de magistrado, presentes de luxo (viagens, jatinhos) oferecidos por um milionário que também financia o Partido Republicano.

Além de ideológica, a corrosão é moral.

Depois que a Suprema Corte "devolveu" para o povo e seus representantes eleitos nos estados o poder de disciplinar o aborto em 2022, legisladores locais introduziram centenas de restrições legais que, na prática, inviabilizam a interrupção voluntária da gravidez.

A Suprema Corte, historicamente fundamental para a modernização das relações sociais nos EUA desde a década de 1960, agora gera retrocessos mesquinhos.

O cardápio é ilimitado. Além de autorizar experimentos cruéis em matéria de pena de morte, amplia o acesso a armas em estados que tradicionalmente o restringe. Permite que recursos públicos sejam destinados a ensino religioso. Considera legítimo que empresas recusem atendimento a casais do mesmo sexo.

Os Estados Unidos e o constitucionalismo civilizatório, berço de tantas belezas institucionais, apodrecem diante de nossos olhos.

"Pobre te vejo a ti", "Rica te vi eu já", o lamento barroco de Gregório de Matos para a cidade da Bahia serve também para a América de agora, "ó quão dessemelhante".

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