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Correspondente na Ásia, doutora em ciência política pela Universidade Sorbonne-Nouvelle e mestre em estudos de mídia pela Universidade Panthéon-Assas.

Hong Kong rumo a um estado de emergência?

Governo usa recurso jurídico da era colonial pela 1ª vez em 5 décadas para proibir uso de máscaras em protestos

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Hong Kong

Máscaras fazem parte do dia a dia. Gripe, poluição e moda alimentam o uso desse item tão comum na Ásia. Diversos modelos e cores cobrem os rostos nos hospitais, nas escolas, nos escritórios e nas ruas.

As máscaras também escodem a identidade dos manifestantes que tomam as ruas de Hong Kong há quatro meses em um movimento civil sem líderes.
 
Ativistas vêm sofrendo ataques nas ruas, fora dos protestos. Boa parte de quem participa das manifestações —muitas delas ilegais— toma cuidado para não ser identificado com medo de retaliações. Câmeras de segurança foram danificadas em incontáveis ocasiões.

O uso continuo de gás lacrimogêneo e spray de pimenta pelas forças de segurança fez da máscara de gás, óculos e capacete o uniforme dos manifestantes —e de jornalistas e equipes de primeiros socorros.

Manifestante usando máscara em marcha no distrito comercial de Hong Kong, Causeway Bay - Mohd Rasfan/AFP

Cara coberta traz anonimato e proteção. É a regra para quem transita na linha de frente e participa das ações mais radicais e também para os integrantes da tropa de choque e policiais à paisana.
 
Desde o final de semana, máscaras em assembleias públicas estão proibidas. O uso pode ser punido com multa e até um ano de prisão. Mais de 70 pessoas nos últimos dias foram acusadas de infringir a recém-adotada lei anti-máscara.

Além disso, a Secretaria de Educação de Hong Kong solicitou informações às escolas, incluindo o número de estudantes que usam o acessório, que boicotam aulas ou realizam atos de desobediência. O envolvimento de adolescentes nos protestos é grande. Dois deles inauguraram, na semana do aniversário de 70 anos da república chinesa, um novo desdobramento das manifestações: se tornaram os primeiros feridos com arma de fogo.
 
Para fazer valer a nova medida, o governo acionou pela primeira vez em mais de 50 anos um recurso jurídico do período colonial que permite a aplicação de novas regulamentações em situações críticas —como “emergências ou perigo para o público”— sem que seja preciso aprovação prévia do legislativo.
 
A ação tomada em nome de interromper a escalada de violência e “restaurar a ordem” gerou divisão dentro do próprio governo sobre sua eficácia. A França, diante do movimento dos coletes amarelos, impôs esse ano uma proibição do uso de máscaras em protestos. Outros países têm legislação semelhante.
 
Há uma crescente pressão para que o governo local aja politicamente, uma vez que declarações condenatórias sobre a atual crise que vêm testando a paciência de Pequim e o reforço na atuação policial não tiraram o território do impasse em que se encontra.
 
Não foi declarado estado de emergência. A chefe do executivo de Hong Kong, Carrie Lam, garantiu que não o fará, mas esse é um pedido de grupos pró-China. Segundo o artigo 18 da Constituição de Hong Kong, o Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo pode declarar estado de emergência no território. Uma alternativa legal com consequências potencialmente devastadoras para a autonomia e a posição de centro financeiro internacional da cidade.
 
A lei anti-máscaras está em vigor, mas pode ser vetada na próxima semana quando o Parlamento retomar a atividade. Na prática, o governo local pode utilizar o mesmo recurso para adotar outras medidas emergenciais a qualquer momento, como autorizar e flexibilizar a deportação, a censura, as prisões e as buscas e apreensões sem autorização prévia.
 
Ainda que momentaneamente, a proibição parece ter desencorajado a “marcha de 3 milhões de pessoas” convocadas para o domingo (6). A mobilização foi muito menor: contou com alguns milhares de pessoas.
 
Depois de 18 semanas consecutivas de protestos, mais de 2.300 pessoas foram presas. A paisagem urbana acumula marcas dos confrontos entre policiais e manifestantes. Pichações, cartazes, tijolos e grades arrancadas e estações de metrô vandalizadas.

Antes ações impensáveis, agora, comércio, bancos, restaurantes e marcas conectadas com Pequim viraram alvo de ataques. Ninguém fica indiferente. Ninguém se arrisca a dizer que há uma resolução de curto prazo para a atual crise. Uma considerável parcela dos moradores de Hong Kong segue indignada com a polícia e frustrada com o governo.
 
Rumores sobre a adoção de um toque de recolher foram desmentidos pelo governo em julho e em agosto. De lá para cá, a cidade coleciona cancelamento de eventos esportivos e feiras de negócios, queda expressiva do número de turistas e das vendas.

No sábado (5), Hong Kong experimentou a primeira paralisação total da rede de metrô em quatro décadas, com o fechamento de 93 estações.
 
Nos últimos três dias, a rede de metrô da cidade vem suspendendo as operações no início da noite, horas antes do termino normal do serviço. Cerca de 5 milhões de passageiros utilizam o sistema todos os dias.

O território depende basicamente do transporte público. Uma medida oficialmente adotada para permitir o reparo de estações danificadas, mas que toma ares de um toque de recolher velado.

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