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Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

Ter filhos virou um mau negócio

Não há uma crise de fertilidade, mas, sim, uma recusa de fecundidade

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Estará o número de brasileiros menor do que se imaginava? Esse assunto é velho. E não é um fenômeno nacional.

Mas, ao contrário do que dizem, não se trata de uma crise de fertilidade. Apenas chegamos à conclusão de que filhos são um mau negócio. Mas, claro, mente-se sobre essa conclusão também e inventa-se desculpas inteligentinhas.

Ilustração de Ricardo Cammarota - Ricardo Cammarota

Algumas desculpas inteligentinhas: o mundo já tem gente demais, prefiro adotar —quase ninguém adota, só ricos americanos e europeus para ficar bem na fita. Ter filhos num mundo patriarcal e capitalista é uma forma de opressão sobre as mulheres —essa então merece gargalhadas, não?

Mais: a espécie é má, melhor deixar a Terra para as formigas que têm consciência social altamente desenvolvida. Gente morre e polui o planeta com seus cadáveres e cinzas, e, mesmo quando viva, produz lixo. Enfim, escolha a sua. Ah! Claro: as pessoas têm todo direito de não querer ter filhos.

Mas a verdade dos fatos é a de que gente com mais formação, mais opções na vida e mais visão do futuro em perspectiva não quer ter filhos. Quando tem, é um só, e o coitado vai ter que aguentar as projeções
narcísicas dos pais e mães.

Ter filhos é mais frequente entre pobres ou religiosos de altíssima aderência à prática institucional da sua religião.

Enfim, vamos chegando à conclusão pura e simples de que ter filhos é coisa de pobres, de fanáticos religiosos ou de gente sem opções na vida.

Reconheçamos que a alta natalidade da humanidade caminhou lado a lado com a pobreza, a ignorância e a violência contra as mulheres. Muitas crias humanas, ao longo dos milênios, foram fruto de estupro, de violência sexual durante guerras, da escravidão, de crimes de todos os tipos. Ou seja, o número alto de filhos sempre foi fruto de um passivo social sobre as mulheres.

Agora, elas não querem mais esse ônus. A queda da natalidade é fruto de informação, da emancipação feminina, do sexo só para lazer, da melhoria das condições materiais de vida —filhos derrubam o padrão material das pessoas, aliás.

Logo, a menos que o mundo despenque para um abismo histórico, os jovens se tornarão uma espécie em extinção.

Pouco importa todo o mimimi do marketing sobre crianças e o futuro da humanidade. As pessoas estão preocupadas com o futuro delas. Dane-se a humanidade —é o que pensam na calada da noite, fora do Instagram.

De nada adianta essa moda besta das pessoas se apresentarem como "advogado, ativista contra preconceitos e pai do Joaquim e da Maria Antônia". Ou "atriz, negra e mãe de Ariel". Práticas assim apenas reforçam o ridículo da coisa.

Sendo assim, não há uma crise de fertilidade, mas, sim, uma recusa de fertilidade. E, sendo isso fruto de transformações materiais da vida e do modo de produção em que vivemos, nada indica uma
mudança nessa curva.

Em qual modo de produção vivemos? Os marcadores são: produtividade material individual e social, eficiência a todo curso, entrega de resultados de forma cada vez mais acelerada e a retirada sistemática de obstáculos para a realização desses marcadores do PIB.

Filhos atrapalham a carreira das mulheres e das empresas. Empresárias de sucesso só têm filhos se terceirizados. E não me venham com esse papo do seu tio que cuida dos filhos enquanto a mulher brilha nos negócios. A chance desse casamento ir para o saco é de quase 100%, quando não estamos fazendo marketing de comportamento descolado.

Nada disso implica em zerar a fertilidade. Muita gente opta por um filho só, o que implica, ainda, na queda da fertilidade a médio e longo prazo.

Os próprios jovens na faixa dos 20 anos temem ter filhos porque sabem, no fundo do coração, o pepino que eles são para seus pais e mães.

Em breve o censo de pets será mais importante para o PIB do que de crianças. As escolas, então, abrirão cursos para pets, onde aprenderão a latir de forma bilíngue.

O que mudará isso? Uma catástrofe que traga de volta guerras em que soldados violentam as mulheres por onde passam e façam o número de estupros voltarem às estatísticas do passado ou as mulheres saírem do mercado de trabalho. Difícil ser adulto, né?

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