Siga a folha

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

O Carnaval foi cancelado e a realidade é mais esquisita do que o sonho

Aos roucos berros, os músicos da banda indagam onde está o Boi Tolo, daqui para onde, essa água é água mesmo?

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Aurora vaga de pijamas, sob o sol acachapante de 11h45 no centro. Não se vê vivalma nas ruas e avenidas. Ela persegue o som abafado de uma marchinha, que toca em algum lugar por ali. O pé embola na serpentina, está chegando perto.

Em um cruzamento na Rio Branco, uma pequena banda besuntada em purpurina parece aguardá-la. Aurora se aproxima dos músicos. É quando leva as mãos ao rosto e percebe que se esqueceu de botar
sua máscara de proteção.

Aurora abre os olhos. A realidade é ainda mais esquisita do que o sonho.

O Carnaval foi cancelado. E ela divide sua cama com aqueles quatro músicos fantasiados, sem fazer a mais vaga ideia de como foram parar ali.

Ilustração - Silvis

É hora de acordar, é terça-feira de Carnaval, é o fim da aventura humana na Terra. Eles tocam, batucam e dançam sobre o colchão. Aurora teme por seu lençol de 300 fios e por sua saúde mental.

Tenta expulsá-los do apartamento, mas a banda só se comunica em “folião language”. Aos roucos berros, indagam onde está o Boi Tolo, daqui para onde, essa água é água mesmo ou...? Aurora pensa em ligar para a polícia, mas percebe que seu celular desapareceu.

Ela não consegue impedi-los de invadir o quarto de sua tia-avó, no fim do corredor. Lá dentro, a banda encontra somente uma cama hospitalar vazia.

Aurora enfia a cara em uma máscara e foge do apartamento. Os músicos seguem atrás dela. Penduram-se nas barras do metrô feito crianças no trepa-trepa, mas só Aurora parece se importar com a presença deles e vice-versa.

Aperta o passo, abrindo alas no Cemitério São João Batista. Abraçada a um punhado de flores que vão se esbagaçando pelo caminho. Os foliões saltitam entre pétalas e lápides.

“E os meus olhos ficam sorrindo, e pelas ruas, vão te seguindo, mas mesmo assim, foges de mim...”

A banda toca “Carinhoso” diante do túmulo de dona Camélia. Aurora enfim consegue se despedir de sua tia-avó.

Daqui para onde, insistem os músicos. Eu não sei, lamenta.

Um deles assopra uma mão cheia de purpurina nos olhos de Aurora. Ela não consegue enxergar nada.

Alguém a chama pelo nome. Aurora. Um ponto de luz se arreganha no breu. Aurora, você tá bem?

Aurora abre os olhos. O rosto coberto de purpurina. Está no epicentro de um bloco de Carnaval, ombro a ombro com uma imensa multidão. Sua amiga preocupada, Aurora quase perdeu os sentidos. Aurora respira fundo. Foi uma bad trip, mas já passou.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas