Preciso comprar um presente de aniversário para o meu afilhado de oito anos. Ele está virando um homenzinho, todos dizem. E isso me apavora.

Não é uma questão de preconceito com o gênero masculino, tenho até amigos homens —alguns deles, superdiscretos, inclusive. O que importa é que vivemos em um patriarcado, um sistema de dominação histórica em que os homens são privilegiados. E não quero que meu afilhado reproduza esses valores, entende?

A vendedora da loja de brinquedos sorri e pede para que eu a acompanhe. Chegamos a uma seção especial, nos fundos, com uma linha inovadora de produtos para meninos. O objetivo deles é garantir que os guris de hoje não sejam os machistas de amanhã, preparando a molecada para tempos mais igualitários.

Assim, eles aprendem brincando a se proteger de um futuro cancelamento, um processo por assédio, um choque de taser no saco escrotal etc.

Logo de cara, já gostei muito dos Comandos em Desconstrução. As clássicas figuras de ação ganharam contornos mais suaves. Se antes o objetivo da brincadeira era trucidar e eliminar o inimigo, agora os bonecos são articulados justamente para debater, usando a comunicação não violenta, questões como masculinidade tóxica e consentimento.

A vendedora me recomenda uma arma de brinquedo, o que recebo com desconfiança. Mas o produto em questão nada mais é do que uma panelinha de pressão, considerada por muitos adultos uma potencial arma de destruição em massa. Assim, os meninos já entendem muito cedo que não precisam temê-la, só respeitá-la.

Outro hit revisitado, o jogo de perguntas e respostas Pense Bem, na edição Problematizando, é a pedida perfeita para fixar conhecimentos e preparar os jovens para passar em testes de instituições rigorosas, como o tribunal do Twitter.

Os super-heróis também chamaram minha atenção. Personagens completamente reformulados, que servem de exemplo às crianças por não fazerem mais do que a obrigação.

Fiquei na dúvida entre o Pai Presente e o Super Analisado, cujo superpoder é a capacidade de expressar sentimentos.

Acabo optando por um Transformer Baby, um carro que se transforma em um bebê e vice-versa. Com ele, os meninos aprendem a tratar todos os seres humanos com a mesma dedicação com que tratam seus automóveis.