Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais
'Euphoria', com tanto sexo e drogas, mostra que viver nos anos 2000 era diferente
Na minha época, o que tínhamos era maconha prensada com urina de traficante e gás de buzina, chamado de 'droga da Copa'
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A personagem adolescente de "Euphoria" acorda três horas antes do início da aula para se arrumar. Se maquia como se estivesse indo à própria festa de 15 anos. Um delineado que poderia ser exposto no
MoMA. Unhas tão longas quanto a BR-116. Isso sem falar dos looks para desfilar pelos corredores da escola como numa passarela em Milão.
Minha adolescência foi bem diferente. Acordava 20 minutos depois de a aula ter começado. O único despertador capaz de me tirar da cama era o lamento gutural da minha mãe se perguntando onde foi que ela errou. Eu tinha meia hora para me arrumar e chegar para o segundo tempo. Amarrava um moletom na cintura para me proteger das mãos bobas no ônibus lotado, os olhos ornados apenas por remelas.
A personagem adolescente de "Euphoria" usa drogas como fentanil, heroína, oxicodona, morfina e ketamina. Basta bater na porta de um dealer fantasiado de vitrine da Adidas, cuja maleta é quase um Mercadão de Madureira das drogas. Só a pressão de escolher entre tantas opções já desencadeia uma crise de ansiedade. Por sorte, o dealer também dispõe de ansiolíticos.
Sentem-se em volta da poltrona, vovó vai contar para vocês sobre as drogas que conseguia obter nos anos 2000. Maconha prensada com urina de traficante. Gás de buzina, conhecido também como a "droga da Copa". Benflogin, um anti-inflamatório que, se tomado em grandes quantidades, deixava temporariamente psicótico. Cogumelos colhidos diretamente da bosta do boi Zebu em expedições das quais voltávamos devoradas por carrapatos.
A personagem adolescente de "Euphoria" transa. Não importa se é homem, mulher, não binárie, genderfluid, se é a melhor amiga, o ex da melhor amiga, o pai do ex da melhor amiga. Assistir a suas peripécias sexuais me incentiva a buscar as memórias mais picantes de minha adolescência. Não as encontro. Posso contar nos dedos as vezes em que transei, e todas foram um fiasco que preferi apagar da memória.
Voltada para o público jovem e adulto, a série da HBO foi criticada por abrir mão da verossimilhança ao representar o universo adolescente. O dia em que uma série conseguir retratar a adolescência como ela é, o resultado será inassistível. Essa fase da vida, na real, é um porre. Prefiro sentir nostalgia por uma adolescência que nunca vivi.
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