Siga a folha

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

No debate, Lula preferiu falar de si, em vez de Tebet, que peitou Bolsonaro

Mesmo com a barbárie, o golpismo e o genocídio, candidato do PT parecia estar em plena normalidade democrática

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Por que Simone Tebet e Ciro Gomes foram bem no debate de domingo passado? Ou melhor, por que Lula foi mal?

Claro, tudo é só minha avaliação —e, se gostei de Simone e Ciro, digo isso em função das minhas expectativas antibolsonaristas. Os dois principais candidatos da "terceira via" desempenharam melhor a função de mostrar o que há de repulsivo, de assassino, de cruel no governo Bolsonaro.

Publicada nesta terça-feira, 30 de agosto de 2022 - André Stefanini

O atual presidente imitou, brincando, os que morriam com falta de ar na pandemia; comprovadamente resistiu à vacinação e boicotou todas as medidas de contenção do vírus. Em outro país, a atitude de Bolsonaro seria suficiente não apenas para inviabilizar qualquer projeto de reeleição, mas para conduzi-lo atrás das grades.

Foi Simone Tebet, e não Lula, quem tocou de verdade nesse ponto. Lula preferiu falar dos feitos de seu governo.

O candidato do PT tinha muito mais moral do que Ciro Gomes para apontar a ignorância, a brutalidade, a grosseria de Bolsonaro no seu trato com as mulheres e com os jornalistas, de que houve exemplo no próprio debate. Mas foi Ciro, e não Lula, quem dedicou mais tempo a isso.

E Ciro acertou, para o meu gosto, ao criticar a imbecilidade miliciana do "Mito" na questão da liberação das armas de fogo.

Feitas as contas, Lula fez mais elogios a si mesmo do que críticas ao atual presidente. Onde ficou, no discurso lulista, a condenação a tudo o que Bolsonaro representa —a deliberada destruição da Amazônia, o elogio da tortura, as ameaças de golpe, a destruição da saúde pública, o ataque às religiões afro-brasileiras, o fundamentalismo salivante e corrupto no Ministério da Educação, a militarização do Estado?

O principal adversário de Bolsonaro, aquele que na atual conjuntura surge como a alternativa mais viável para a defesa das instituições democráticas do país, não deu bola para isso.

Minha interpretação é que foi Simone Tebet quem mais se dedicou a atrair os votos de quem é convictamente anti-Bolsonaro —e naturalmente me pareceu ir bem nesse papel, para o qual estava treinada desde a CPI do Covid.

Simetricamente, acho possível concluir que Lula apostou na estratégia inversa: quer atrair votos daqueles que, já tendo votado em Bolsonaro, se desencantaram com os maus resultados econômicos e sociais do atual governo.

O raciocínio seria mais ou menos o seguinte: o que importa é crescimento econômico, emprego, carteira assinada. Todo o resto não é relevante para esse grande contingente eleitoral.

Dilma perdeu apoio por causa da crise econômica, e, corrupção por corrupção, o eleitorado já deve ter concluído que Bolsonaro não fez nada do que prometia. Na estratégia lulista, o assunto não tem nenhum peso.

Sinal disso foi a fraquíssima resposta de Lula a Bolsonaro, quando este levantou a questão logo no início do debate.

Ouviu-se apenas a repetição do que todo petista responde nessas ocasiões: ninguém fez mais do que o PT no combate à corrupção. Sim, eles estão certos quando lembram o papel independente da Procuradoria-Geral da República e dos novos instrumentos legais que foram instituídos na era Lula.

Mas seria fácil, acho, contra-atacar com mais contundência. Bolsonaro só teria alguma moral para falar em corrupção quando explicar de onde vieram os R$ 6 milhões para a mansão de Flávio Bolsonaro, o que faziam os pastores do Ministério da Educação, e por que se gastou tanto dinheiro com a compra de cloroquina pelo Exército.

Não era essa, claro, a prioridade de Lula. Tratava-se de engatar, usando qualquer pretexto que fosse, nos números de emprego, massa salarial e educação alcançados em seu governo.

Quanto a "propostas", Ciro Gomes acertou ao falar do endividamento das famílias e do absurdo que é fazer estudantes pobres se endividarem para frequentar faculdades de fachada.

Mas também na questão da corrupção faltam propostas práticas. Não adianta votar no supostamente "mais honesto" quando qualquer presidente, Lula, Bolsonaro, e todos os outros, dependem de comprar apoio no Congresso.

Em todo caso, não é tempo de propostas. Estamos diante de uma emergência civilizacional —mas a participação de Lula no debate faz crer que, para ele, vive-se apenas a disputa de um candidato contra outro, em plena normalidade democrática.

Por último, mas não menos importante: nenhum jornalista, nenhum candidato negro. O tema do racismo, num governo cujo vice-presidente já afirmou que o Brasil sofre por sua herança de índios preguiçosos e de negros malandros, foi abordado muito de leve por Lula, e só.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas