Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Além de Bolsonaro, a verdade é que todos são tchutchucas do centrão

O radicalismo de direita toca a música e até os corajosos entram na dança

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Chamando Bolsonaro de "tchutchuca", o youtuber Wilker Leão acabou sendo responsável pelo primeiro gol midiático da campanha presidencial.

Os adversários do presidente têm muito a comemorar. Que Bolsonaro seja racista, antidemocrático, pró-tortura ou genocida —tudo isso já foi dito, e parte do eleitorado brasileiro aparentemente não
vê nenhum problema nisso.

Mas ouvir que ele seja "tchutchuca do centrão" pode pegar mais forte nessa gente —que se localiza nos porões do bolsonarismo radical. Abala —ó preconceitos! ó temores! ó mistérios!— a imagem
machona do mito.

Ilustração mostra Jair Bolsonaro de terno azul claro dançando em frente a um sound system rosa escrito "Centrão"em vermelho.
Ilustração de André Stefanini para coluna de Marcelo Coelho de 24 de agosto de 2022 - André Stefanini

E, claro, a acusação também atinge aquilo que foi o ponto forte de Bolsonaro em 2018: sua suposta independência diante do sistema político tradicional.

A ironia é que, embora isso tudo enfraqueça Bolsonaro, os lulistas não têm como adotar as palavras do youtuber. Não oficialmente, pelo menos.

Desde 2002, todo o suposto "esquerdismo" do PT foi anulado, para bem ou para mal, no mesmo "tchutchuquismo" que agora desmoraliza Bolsonaro.

Também Lula e o PT se beneficiavam, antigamente, com o discurso anticorrupção; a bancada petista era campeã em pedir CPIs contra as irregularidades de Fernando Henrique, para nada dizer de Fernando Collor.

Filósofos e filósofas enchiam a boca para falar de "ética" ou de uma "nova maneira de fazer política". Assim que veio o mensalão, o assunto desapareceu rapidamente das publicações e discursos do PT. A bandeira ficou disponível para a direita e para a extrema direita.

Que dizer agora? "Bolsonaro, você pensa que é ‘tchutchuca’ do centrão? Nada disso, sou muito mais do que você!" Fiquemos tranquilos. Afinal, é por isso que não há perigo nenhum de virarmos uma
Venezuela ou uma Cuba.

"Esquerdista? Comunista? Eu? Mas sempre fui ‘tchutchuca’ do centrão!" Melhor ficar quieto.

Desse modo, o gol contra Bolsonaro acaba surgindo de alguém que, ao que tudo indica, pertence aos quadros da extrema direita. São os desapontados, os traídos —os que veem num golpe militar a única forma de liberar o país da corrupção.

Quanto ao grosso do rebanho, trata-se apenas de uma transferência personalista e irracional; apoia-se Bolsonaro de qualquer jeito.

No lado lulista, o puro mito da salvação, da personalidade invencível, é igualmente forte, e todo mundo já se habituou faz tempo ao "tchutchuquismo".

Um dos efeitos disso é que talvez a campanha antibolsonarista esteja em falta de momentos de ousadia, memes, ataques efetivos. A direita se beneficia de uma militância radical. A esquerda parece ter poucos elementos para empurrar Lula além do "tchutchuquismo".

A prioridade do campo democrático é a de preservar o que existe, e não revolucionar coisa nenhuma. Defender o Judiciário, o Congresso, a Constituição; não é pouco. Proteger os direitos dos índios, negros, mulheres, LGBTQIA+: é básico. Interromper a destruição da Amazônia: é urgente.

Nada disso é "tchutchuquismo". Mas o centrão, com Lula ou com Bolsonaro, está aí para atrapalhar até mesmo essas prioridades simples.

Vejo escandalizado não só os candidatos petistas, mas também Marcelo Freixo, que era mais corajoso do que eles, ajoelhar-se e fechar os olhinhos numa igreja. O radicalismo de direita toca a música, e todos dançam conforme.

No Equador, há alguns meses, as organizações indígenas fizeram uma pauta de dez reivindicações. Básicas, na maioria delas. Uma me chamou a atenção: moratória de um ano para famílias pobres endividadas.

Não sei o quanto isso custaria, nem em que termos isso poderia ser feito. Mas uma massa de pobres se encontra enforcada no cartão de crédito ou no cheque especial no Brasil e é forçada a "renegociar" individualmente suas dívidas.

O risco se alastra, sem dúvida, para o sistema econômico em seu conjunto. Não caberia alguma ação do Estado nesse caso?

E maconha? E aborto? E polícia? E levar os torturadores à Justiça, encerrando o trololó da anistia? E disciplinar a corporação militar para que deixe de se meter na política?

Um único exaltado de direita, o youtuber antibolsonarista, agiu sem violência —e se expôs à violência daqueles a quem antes admirava. Talvez seja preciso menos ousadia do que a dele para inclinar um pouco a balança para o lado certo.

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