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Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

O impacto do caos na ciência psicodélica

Promessa de terapias inovadoras para depressão e estresse traumático não justifica ataques da direita a seus críticos

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Às vezes a ciência produz figuras que se tornam memes, como a dupla hélice do DNA. A pesquisa com psicodélicos já tinha um candidato, o diagrama comparando padrões de comunicação entre áreas do cérebro sob placebo e psilocibina, mas esse instantâneo icônico agora cede lugar para um vídeo que tende a viralizar.

Parece a imagem do caos, e de certo modo é. A animação produzida pelo grupo de Joshua Siegel na Universidade Washington em Saint Louis (Missouri, EUA) mostra o lado direito do encéfalo com as cores azul, verde, amarelo e vermelho a pulsar ritmicamente.

As duas primeiras, azul e verde, indicam atividade cerebral com placebo. As duas últimas, amarelo e vermelho, o aumento dessa atividade sob efeito da psilocibina, psicoativo de cogumelos ditos "mágicos", do gênero Psilocybe, substância em fase adiantada de testes clínicos para tratar depressão.

Frame de animação produzida pelo grupo de Joshua Siegel, na Universidade Washington em Saint Louis, EUA, mostra o lado direito do encéfalo. As cores azul e verde indicam atividade cerebral com placebo. Amarelo e vermelho, o aumento dessa atividade sob efeito da psilocibina, psicoativo de cogumelos ditos “mágicos”, do gênero Psilocybe, substância em fase adiantada de testes clínicos para tratar depressão - Reprodução

O primeiro ponto a destacar é que a psilocibina, como se vê, age sobre o cérebro todo. O outro, informa artigo publicado quinta-feira (18) na revista científica Nature, está no fato de essa alteração do funcionamento normal do órgão permanecer, em grau menor, semanas depois de dissipado o efeito do psicodélico.

Siegel interpreta seu filme como ruptura da rede de modo padrão (RMP, ou DMN em inglês), conjunto de áreas cerebrais sincronizadas quando a pessoa não realiza tarefa específica e se volta para a introspecção. É a rede que fica turbinada na ruminação, círculo de pensamentos negativos que assalta a mente de deprimidos.

Essa atividade mais caótica e a permanência de vestígios dela após o efeito agudo seriam indícios de que a melhora observada em pacientes tratados com psilocibina não decorre só de efeito placebo. Para Siegel, é uma janela que se abre para novas conexões neuronais e, possivelmente, ideias alternativas ao ciclo de ruminação.

Psicodélicos prometem novos tratamentos para transtornos afetivos muito aguardados por psiquiatras e psicoterapeutas. No caso da depressão, os remédios surgidos há meio século não trazem bons resultados para um terço dos pacientes, daí toda a expectativa com a aprovação da psilocibina, talvez em 2026 ou 2027.

Antes disso, porém, esperava-se o licenciamento nos EUA do MDMA (ecstasy) para transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Seria agora no começo de agosto, quando a agência de fármacos FDA decidiria sobre o pedido da empresa Lykos Therapeutics, mas o que antes pareciam favas contadas foi engolido pelo caos.

Primeiro, uma organização independente, Icer, publicou avaliação negativa dos estudos da Lykos. Depois foi a vez de um comitê de consultores da FDA jogar água fria na terapia com MDMA para TEPT. Nos dois casos, apontaram-se má qualidade dos dados sobre eficácia e segurança e efeitos adversos, inclusive risco de abuso sexual.

Vários desses problemas foram levantados pela ONG Psymposia. Mesmo quem não concorda com os argumentos de críticos como Neşe Devenot e Brian Pace tem razões para se preocupar com os ataques que vêm recebendo de defensores da Lykos e sua promessa de tratar TEPT de veteranos das muitas guerras dos EUA.

Tudo indica que a psicoterapia com MDMA se viu capturada pela polarização entre direita e esquerda. Psymposia pode ter exagerado nas denúncias contra a Lykos, mas a ONG não detém o mesmo poder de fogo da associação de ex-combatentes Heroic Hearts ou do deputado republicano Dan Crenshaw, por exemplo.

Crenshaw acusou Devenot e Pace de insultar veteranos numa postagem vista por 23 mil pessoas na rede de Elon Musk. O magnata postou então que concordava com o parlamentar e teve mais de 17 milhões de visualizações.

Vindos da caótica direita norte-americana, e depois do atentado contra Donald Trump, esses ataques frontais acarretam riscos significativos para Devenot e Pace.

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