Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Negação do Antropoceno tira urgência do clima

Decisão contrária de geólogos reforça agenda de viciados em petróleo, como Lula

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Especialistas da União Internacional de Ciências Geológicas decidiram que não é o caso, ainda, de designar uma nova etapa na história da Terra, o Antropoceno. A decisão tecnocrática contrasta com a percepção geral de que algo portentoso está afetando o globo.

O pessoal de ciências da Terra pesquisa e pensa sob a égide da imensidão do tempo geológico. O planeta conta 4,5 bilhões de anos; o Universo, 13,7 bilhões. Dessa perspectiva, encerrar o Holoceno (era atual) após meros 11 mil anos pode parecer precipitado.

Lago Crawford, em Ontario, no Canadá; local sugerido por cientistas como marco do Antropoceno
Lago Crawford, em Ontario, no Canadá; local sugerido por cientistas como marco do Antropoceno - Peter Power -12.abr.23/AFP

Deixando de lado razões técnicas para a recusa, por falta de competência para julgá-las, cabe dizer que a decisão veio em má hora. O Antropoceno, categoria indicativa do impacto profundo da atividade humana sobre a Terra, oferece um símbolo poderoso para impulsionar o enfrentamento da crise climática.

Para quem duvida de estarmos deixando marca profunda na história do planeta: nos últimos 250 anos, a concentração atmosférica do dióxido de carbono (CO2), principal gás do efeito estufa, aumentou 50%, de 280 partes por milhão (ppm) para mais de 420 ppm.

A queima de combustíveis fósseis e de florestas lançou cerca de 1,5 trilhão de toneladas de CO2 no ar, engrossando o cobertor que faz subir a temperatura na superfície e nos oceanos. Com os recordes de 2023, em 17 de novembro ultrapassamos pela primeira vez a marca de 2ºC acima da era pré-industrial.

Considerando a média de várias décadas e não o registro diário, como recomendam climatologistas, a atmosfera está 1,17ºC acima do que era até então o normal. Perigosamente perto dos 1,5-2ºC preconizados como limite de segurança no Acordo de Paris (2015).

Pouco se fez de lá para cá para mitigar o aquecimento global. Seguem em alta as emissões de CO2, as marcas dos termômetros e a ocorrência de eventos extremos –como as atuais cheias devastadoras no Acre e secas idem em Roraima, origem de incêndios florestais disseminados no segundo caso.

O governo brasileiro, após a eleição de Lula e a volta de Marina Silva ao Ministério do Meio Ambiente, até conseguiu reverter a tendência de desmatamento na Amazônia. Mas se mostra impotente diante de desastre pior causado pelo agronegócio no cerrado.

Pior ainda, pisa fundo no acelerador da Petrobras. A desculpa é usar a renda do petróleo para fazer a transição energética, para a qual, no entanto, não tem plano detalhado e exequível.

Considere o contraste com a União Europeia (UE), que cogita cobrar das empresas petroleiras a conta da mudança climática desastrosa. Ou com a decisão do governo de Joe Biden, em janeiro, de congelar nos EUA a ampliação de licenças para exportar gás natural liquefeito, outro impulsionador do efeito estufa.

Ambas as iniciativas podem, é verdade, retroceder diante de reviravoltas políticas com a vitória de partidos de direita. A UE se acha sob pressão de agricultores sublevados contra altas nos preços de combustíveis e exigências ambientais. Nos EUA, torna-se cada vez mais provável a eleição do negacionista Donald Trump.

Lula almeja liderança global na onda verde pelo clima, mas seu desenvolvimentismo petroleiro anos 1950 pode erodir-lhe o protagonismo na COP30 de Belém do Pará, no final de 2025. Pesará também sua camaradagem com autocratas violentos montados em jazidas fósseis como Maduro, Putin e Mohammed bin Salman.

Ambos os cenários, nacional e internacional, não auguram nada de bom para a crise do clima. O termostato controlador da transição energética parece estar avariado, e um dos sintomas é a rejeição do Antropoceno –mas ele ainda vai voltar para nos assombrar.

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