Virada Psicodélica

Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental

Virada Psicodélica - Marcelo Leite
Marcelo Leite
Descrição de chapéu Mente

Novo teste clínico reafirma psilocibina para depressão

Estudo com 104 pacientes dos EUA obteve redução significativa de sintomas

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Sentada em um canto, mulher se dobra para a afrente e abraça os joelhos, escondendo o rosto
Pixabay

Nada menos que três tipos de testes clínicos atestam agora o efeito antidepressivo da psilocibina, substância alteradora da consciência presente em cogumelos do gênero Psilocybe. O terceiro estudo sai publicado hoje no periódico Jama, da Associação Médica Americana, o terceiro mais influente do mundo.

"Tratamento de Psilocibina em Dose Única para Transtorno Depressivo Maior" é o título do artigo organizado e financiado pelo Instituto Usona, de Wisconsin (EUA). Participam várias instituições dos EUA, com destaque para as universidades Johns Hopkins, Yale e da Califórnia (São Francisco).

O artigo leva a assinatura de 35 autores. O último deles é Roland Griffiths, da Johns Hopkins, um pioneiro do chamado renascimento psicodélico para a medicina.

O ensaio clínico de fase 2 contou com 104 voluntários diagnosticados com depressão grave. Metade do grupo de pacientes espalhados por vários centros norte-americanos recebeu 25 mg do composto psicodélico sintético.

No grupo de controle, a outra metade, foram 100 mg do placebo ativo niacina, que pode provocar desconforto gastrointestinal. Nos dois casos, pacientes receberam o mesmo tipo de tratamento psicoterápico em que apenas uma das sessões envolveu ingestão dos fármacos.

Após seis semanas, os tratados com psilocibina tiveram redução maior, em comparação com o grupo da niacina, na pontuação do questionário padronizado MADRS para sintomas de depressão. Foram 12,3 pontos menos que na turma do placebo, numa escala que tem 60 pontos.

"Embora o teste tenha sido relativamente pequeno, demonstrou que uma dose única de psilocibina no contexto de um período de seis semanas incluindo psicoterapia ativa resultou em redução rápida, robusta e sustentada de sintomas depressivos", escrevem em editorial na mesma edição do Jama Rachel Yehuda e Amy Lehrner, da Escola de Medicina Icahn do Hospital Mount Sinai em Nova York.

"À medida que a pesquisa clínica com psicodélicos avança, a psilocibina tem se destacado com resultados consistentemente promissores", assinala Marcelo Falchi, psiquiatra do Projeto Dunas, dedicado ao estudo da dimetiltriptamina (DMT) da ayahuasca e da jurema-preta no Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

"A exigência de um ‘washout’, ou seja, a retirada de medicações [antidepressivas] antes da sessão de dosagem, é um fator limitante que ainda não foi plenamente abordado no modelo terapêutico proposto. Caso a psilocibina venha a ser regulamentada, essa etapa pode impor desafios significativos na prática clínica." O "desmame", como se diz, pode tomar várias semanas, e nem todo paciente estaria pronto a isso.

Além disso, alerta Falchi, os custos desse modelo de tratamento são consideráveis. O procedimento com a psilocibina, incluindo preparo, dosagem e integração, totaliza entre 17 e 22 horas com dois facilitadores especializados (médico ou psicólogo). O custo por paciente pode chegar a US$ 4.000 (cerca de R$ 20 mil).

"Considerando que a sessão com a substância durou de 7 a 10 horas, quantos pacientes poderiam ser atendidos por dia?" –questiona o psiquiatra. "É imperativo discutirmos a acessibilidade desses tratamentos e reconsiderar os modelos sob investigação na terapia psicodélica."

Gráfico mostra melhora rápida de depressão com psilocibina
Gráfico mostra melhora rápida de depressão com psilocibina - Reprodução/Jama

Dois outros testes clínicos com psilocibina para depressão foram publicados nos últimos anos. Em abril de 2021, um time do Imperial College de Londres tinha publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) estudo com 59 pacientes comparando psilocibina diretamente com um antidepressivo, escitalopram, e não com placebo.

A estratégia do Imperial tentava minimizar uma limitação séria de estudos com psicodélicos, a dificuldade de manter o cegamento para voluntários e pesquisador. O efeito subjetivo e comportamental da substância é óbvio, introduzindo possível viés de avaliação que enfraquece a comparação com quem tomou placebo. No confronto direto com um medicamento eficaz (para alguns), o peso do efeito placebo seria menor.

De todo modo, apesar de também mostrar melhor desempenho da psilocibina, a diferença com o grupo de controle não se mostrou estatisticamente significativa. Os autores argumentaram, porém, que vários outros resultados secundários mensurados robusteciam o efeito terapêutico.

Em 3 de novembro de 2022, na mesma NEJM, saiu o maior teste clínico de psilocibina para depressão, com 233 pacientes. Também de fase 2, como o ensaio do Usona, a pesquisa partiu da controversa empresa Compass Pathways, que tem obtido patentes sobre o tratamento –embora a fonte natural da psilocibina, os cogumelos ditos "mágicos" sejam de uso tradicional por povos como os mazatecas do México.

Entre os autores do artigo no Jama está Bill Linton, dono da companhia de materiais biotecnológicos Promega, fundador do Instituto Usona e mecenas da ciência psicodélica. Ele criou também a página Porta Sophia, que reúne informações publicadas sobre psicodélicos que podem ser usadas para questionar se há de fato inovação nas patentes reivindicadas por empresas como a Compass.

A pesquisa da Compass chamou a atenção pela ocorrência de ideações suicidas entre poucos participantes. Uma diferença com o atual ensaio do Usona foi ter recrutado voluntários com depressão resistente a tratamento. Este é um subgrupo da depressão maior com quadro mais grave, o de pacientes que não obtêm resultado favorável após tentarem se tratar com dois antidepressivos, pelo menos.

O estudo no Jama tentou reduzir o problema do cegamento empregando avaliadores externos para apurar os escores MADRS. Eram especialistas que nunca estiveram presentes nos locais dos testes clínicos e que aplicaram os questionários por telefone, sem contato direto com os pacientes.

Os próprios autores admitem, contudo, que não mediram nem a eficácia do cegamento nem o cumprimento estrito do protocolo de psicoterapia pelos terapeutas envolvidos. Também apontam como limitação do estudo a falta de representatividade populacional da amostra, com poucos negros e latinos de renda mais baixa.

Vários cogumelos desenhados com cores psicodélicas
Ilustração de Raphael Egel - @liveenlightenment

A psilocibina para depressão é a segunda terapia psicodélica na fila para aprovação da FDA, agência de fármacos dos EUA. Acredita-se que antes, em 2024, seja aprovada a droga MDMA em psicoterapia para transtorno de estresse pós-traumático, que já teve resultados de fase 3 compilados e que devem ser submetidos à agência ainda neste ano.

A fase 3 com a psilocibina da Compass teve início no primeiro semestre. Se tudo der certo, poderá entrar na reta final de licenciamento pela FDA em 2025, levando esperança para pelo menos um terço dos mais de 300 milhões de deprimidos no mundo que não encontram alívio com os antidepressivos disponíveis.

"Se terapias psicodélicas comprovarem ter efeito duradouro após uma só ou poucas doses no contexto de umas poucas sessões [psicoterápicas] de preparação e integração", afirmam Yehuda e Lehrner no editorial do Jama, "elas têm o potencial de oferecer não só uma nova abordagem para saúde mental, mas todo um novo paradigma de cuidado."

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AVISO AOS NAVEGANTES - Psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem panaceia para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.

Sobre a tendência de legalização do uso terapêutico e adulto de psicodélicos nos EUA, veja a reportagem "Cogumelos Livres" na edição de dezembro de 2022 na revista Piauí.

Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro "Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira".

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