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Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

Investimento na primeira infância e desenvolvimento econômico

Proposta de candidatos sem plano a longo prazo para a criança e o adolescente não passam de conto da carochinha

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Há um mês, utilizei este espaço para discutir a Agenda Mais SUS, uma proposta para fortalecer a saúde pública. Hoje, trago outra discussão igualmente importante, a Agenda 227 (Plano País para a Infância e a Adolescência), uma proposta para promover um modelo inclusivo e sustentável de desenvolvimento para crianças e adolescentes (cerca de 33% da população brasileira).

O nome, Agenda 227, foi inspirado no artigo 227 da Constituição Federal, que prevê prioridade em assegurar direitos básicos a crianças e adolescentes.

O fechamento de escolas por causa da pandemia pode levar o Brasil a ter 70% das crianças do ensino fundamental sem conseguir ler e compreender, aponta estudo do Banco Mundial - Marlene Bergamo/Folhapress

Concebida por mais de cem organizações da sociedade civil, a Agenda 227 usou como referência a atual legislação brasileira, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o atual contexto de desigualdades e aspectos de inclusão, diversidade e interseccionalidade.

Ao todo, são 148 propostas organizadas em 22 temas que incluem saúde, educação, violência, nutrição, orfandade, fome, pobreza, desigualdade, saneamento básico, igualdade racial e de gênero, mudanças climáticas, povos indígenas, entre outros.

A Agenda 227 deve estar na pauta de qualquer discussão sobre desenvolvimento econômico. O professor James Heckman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2000, demonstrou os ganhos para o crescimento econômico decorrentes de investimentos na primeira infância (até os cinco anos de idade).

Quando combinados com investimentos na promoção da educação e redução de desigualdades e na manutenção da educação de qualidade até a fase adulta, o retorno em capital humano e desenvolvimento econômico é o maior que se pode obter. No contexto atual brasileiro, parte do capital humano jamais se desenvolve!

Em 2020, aproximadamente 70% das crianças menores de 3 anos não estavam matriculadas em creches. Em 2019, antes da pandemia de Covid-19, apenas 34% e 7% de estudantes tinham aprendizado adequado em português e matemática, respectivamente. No mesmo ano, 16% dos estudantes do ensino fundamental e 26% do ensino médio apresentavam distorção idade/série. Com a pandemia, a situação piorou.

O ambiente escolar também é desfavorável. Em 2021, cerca de 4% das escolas não tinham nenhum tipo de sanitário, 6% não tinham acesso a água e 70% não tinham biblioteca e laboratório de informática.

Além disso, 45% dos menores de 14 anos viviam em situação de pobreza e 4% dos menores de 5 anos estavam em situação de desnutrição em 2019, o que se agravou com a pandemia. A gravidez na adolescência é alta no Brasil (cerca de 15%). Em 2021, 80% das vítimas de estupro tinham menos de 20 anos de idade (19% tinham de 5 a 9 anos, e quase 32% tinham de 10 a 13 anos de idade). A violência sexual contra crianças e adolescentes é revoltante!

Todos esses indicadores apresentam diferenciais regionais e sociais, com piores condições em áreas rurais, nas regiões Norte e Nordeste, e entre parcelas populacionais de menor renda e autodeclaradas negras e pardas.

Investimentos em capital humano começam durante a gravidez e devem ser de longo prazo. Um prazo muito mais longo do que o número de anos que um governante fica no poder. Tais investimentos demandam um verdadeiro projeto de país democrático, equitativo e que respeite a Constituição Federal. Um projeto que independa de partido e que seja mantido e melhorado ao longo do tempo.

Que as pautas dos candidatos sejam apresentadas e que venham os debates. Mas que fique claro que qualquer proposta de desenvolvimento econômico que não inclua um plano de longo prazo para a infância, a criança e o adolescente não passa de um conto da carochinha.

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