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Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

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E se a seca histórica que afeta a Europa fosse no Nordeste do Brasil?

É preciso investir em ciência e tecnologia a longo prazo para enfrentar períodos de seca no semiárido

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A Europa enfrenta uma estiagem severa, com efeitos sentidos nos transportes, agricultura, indústria, comércio, energia e abastecimento de água. Outros países do hemisfério norte também sentem os efeitos, como partes dos Estados Unidos, da China, da Índia e do norte da África.

E se essa estiagem extrema fosse no Nordeste do Brasil?

A região Nordeste representa 18% do território brasileiro e 27% da população. Cerca de três quartos do Nordeste são cobertos pelo semiárido, uma área conhecida como o Polígono das Secas devido aos recorrentes períodos de estiagem.

Britânicos fazem esportes náuticos em reservatório com nível abaixo do normal em Leek, no Reino Unido - Carl Recine - 12.ago.22/Reuters

Na grande seca de 1877/79, cerca de 500 mil vidas foram perdidas (5% da população), em torno de 120 mil pessoas migraram para a Amazônia e foram criados abarracamentos para abrigar a população de retirantes no Ceará. Esses abarracamentos foram mantidos, depois chamados de campos de concentração, e usados durante as secas de 1915 e 1932. Os campos tinham condições insalubres e as pessoas eram submetidas a trabalho forçado.

A pior e mais prolongada seca que a região enfrentou foi em 1979-84. Trabalhadores famintos invadiram cidades, houve saques, cerca de 3,5 milhões de pessoas (a maioria crianças) morreram devido à fome ou a complicações associadas à desnutrição, e mais de 60% das crianças de 0 a 5 anos na área rural enfrentavam desnutrição aguda. Àquela época, o então presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo declarou que só restava rezar para chover.

A transposição do rio São Francisco (o maior rio inteiramente brasileiro), inicialmente idealizada em 1847, foi aprovada em 2004 e as obras começaram em 2008. O projeto visa levar água ao Nordeste a fim de mitigar os desafios da seca. Será essa a solução definitiva para a estiagem no semiárido do Nordeste? Provavelmente não.

Segundo dados do Mapbiomas, a bacia hidrográfica do rio São Francisco perdeu 50% da superfície de água de 1985 a 2020. Considerando reservatórios construídos ao longo do rio, a perda foi de 4%.

Vários afluentes do rio São Francisco são temporários. A construção de represas, como a de Sobradinho, visa garantir vazão suficiente para a geração de energia. Entretanto, durante a seca de 2001, Sobradinho chegou a apenas 5,8% de sua capacidade.

Além disso, em torno de 80% da água do rio São Francisco é usada na irrigação, a maioria de forma ilegal, e prolifera a poluição devido ao despejo de esgoto doméstico, pesticidas da agricultura e resíduos de mineração. Tratar tão mal o São Francisco é inconsequente.

Ao longo de séculos, a resposta do governo aos períodos de seca tem sido reativa, um ciclo que alterna fases de pânico, reação e negligência. É preciso ações inovadoras de mitigação que sejam resilientes a estiagem.

Israel, por exemplo, trata mais de 90% do esgoto, e o tratamento da água residual gera mais de metade da água utilizada na agricultura. No Brasil, o programa Cisternas, criado em 2003 para trazer segurança hídrica a famílias usando tecnologia simples e de baixo custo, foi drasticamente reduzido no atual governo.

É fundamental investir em ciência, tecnologia, inovação e desenvolvimento regional. O Orçamento para 2023, entretanto, cortou a verba para desenvolvimento regional em 48% (o maior corte), para ciência, tecnologia e inovações em 21% e para saúde em 42%.

Rezar, por maior que seja a fé, não basta! Sem investimento de longo prazo, não há como adaptar o semiárido para os desafios que os eventos climáticos extremos por certo trarão.

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