Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)
Civilidade
Keith Thomas documenta que o comedimento nas paixões políticas e religiosas permite a convivência e o diálogo entre os diferentes
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Keith Thomas é um notável historiador de Oxford que analisa o passado com a obsessão e o cuidado de um antropólogo. Seus livros surpreendem pela vastidão de fatos e observações sobre o cotidiano para contar as transformações nos hábitos e na mentalidade da Inglaterra nos últimos séculos.
Thomas já descreveu o declínio da magia no cotidiano, assim como a transformação da nossa compreensão da natureza e dos animais durante a longa transição que assistiu ao surgimento do Estado de Direito e da economia moderna.
Seus temas, porém, não são a grande política nem os dados da economia, mas sim as práticas e crenças que compõem o dia a dia da sociedade e suas contradições.
Em seu surpreendente “O Homem e o Mundo Natural”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, Thomas documenta como a antiga visão de que os animais foram criados para servir a humanidade foi progressivamente se transformando em empatia pela natureza, afinal todos seriam filhos da criação divina.
Seu livro me fez lembrar de uma história correlata. A religiosidade cristã, em que Deus é amor e toda a humanidade é parte do Ser, levou ao impressionante movimento para abolir a escravidão na Inglaterra no fim do século 18, liderado por William Wilberforce.
Ele contou com o apoio de seu amigo William Pitt, primeiro-ministro que morreu em 1806, um ano antes da proibição do comércio de escravos. Wilberforce teve mais sorte e assistiu, inclusive, à aprovação da lei que aboliu a escravidão na maior parte do Império Britânico, em 1833.
O mais recente livro de Thomas, ainda ativo aos 86 anos, entrega mais uma joia que descobri graças ao New York Review of Books, a minha Bíblia pessoal.
O tema, desta vez, é a construção da noção moderna de civilidade, termo derivado do latim “civitas”, a comunidade organizada e seus códigos de convivência que, inicialmente, diferenciavam a sociedade romana dos bárbaros, palavra de origem grega que mimetiza a fala incompreensível dos estrangeiros.
Na Inglaterra de séculos atrás, o processo civilizatório justificou a conquista de povos com costumes e hábitos considerados inaceitáveis.
Thomas documenta, com a sua erudição inacreditável, a construção da versão moderna de civilidade em que, como apontara Norbert Elias, o comedimento nas paixões políticas e religiosas permite a convivência e o diálogo entre os diferentes, evitando a tragédia das guerras.
A civilidade requer respeito às instituições, permite a criatividade das artes, incentiva a pesquisa nas ciências e tolera a divergência.
Caso morasse no Brasil, Thomas não precisaria recorrer aos registros de tempos passados.
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