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Editor da Ilustríssima, formado em administração de empresas com mestrado em comunicação pela UFRJ. Foi editor de Opinião da Folha

Descrição de chapéu Cracolândia drogas

Cracolândia é vexame institucional de governos paulistas

Como já alertou Drauzio Varella, não existe bala de prata para resolver o problema

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Fortaleceu-se em São Paulo a ideia infantil e autoritária de que é preciso "acabar com a cracolândia". Aquelas figuras fantasmagóricas a desfilar a miséria humana em aglomerados que já não se limitam a praças e alamedas da região central da cidade despertam um misto de pânico e raiva entre seus moradores.

Operação da Polícia Civil para prender traficantes no fluxo da cracolândia. (Foto: Danilo Verpa/Folhapress, COTIDIANO) - Folhapress

A capital que gosta de ser reconhecida como a metrópole mais rica e dinâmica do país sente-se incomodada e ameaçada pelas hordas que apelidou de "nóias". Governantes que parecem incapazes de entender minimamente o que se passa respondem com ações violentas, demagógicas e irresponsáveis. Em linguagem direta, colocam a polícia para tocar o horror entre os viciados, sob a alegação de combater o tráfico.

Na impossibilidade de simplesmente matá-los, tentam levá-los à exaustão e à privação, não apenas da droga, mas do pouco que conseguem dispor para comer e sobreviver. Apostam na dispersão, na coação, no sufocamento. Pedem a internação compulsória, sugerem confiná-los em colônias agrícolas…

Os resultados poderiam ser considerados nulos, se não revelassem, na realidade, um agravamento da situação.

Não há dúvida de que o cerceamento do tráfico é necessário, para que seus agentes não se imponham como donos de territórios e populações. É uma ilusão, contudo, acreditar que será eliminado. As políticas repressivas da guerra às drogas são um retumbante fracasso. É de se esperar, aliás, que o STF venha a dar o passo necessário no julgamento da descriminalização do porte de drogas para consumo individual, ora retomado.

O que se observa na realidade é um sistema no qual os lados não são apenas dois, mas um amálgama de interesses e práticas delituosas que se realimentam sob a influência crescente do crime organizado, presente de maneira cada vez mais alarmante no terreno político e institucional.

Em uma de suas inúmeras tentativas de estabelecer alguma racionalidade e realismo no debate, o médico Drauzio Varella, dizia em 2017 numa entrevista a esta Folha:

"Todo mundo tem que se convencer de que não é possível acabar com a cracolândia. A cracolândia não é causa de nada, é consequência de uma ordem social que deixa à margem da sociedade uma massa de meninos e meninas nas periferias nas cidades brasileiras, sem qualquer oportunidade. Pararam de estudar com 13, 14 anos, muitas vezes não têm orientação familiar e acabam indo por esse caminho. E a gente vem querendo acabar com a cracolândia. A gente tem que ir lá atrás, impedir que as coisas cheguem a esse ponto. Isso de, de repente, ter que fazer alguma coisa, pode ficar muito pior."

No ano passado, o doutor voltou ao assunto:

"Não existe bala de prata para acabar com a cracolândia. Vários prefeitos e governadores já prometeram extingui-la com o emprego de forças policiais e medidas de combate ao tráfico; em vão. A tentativa mais bizarra foi a de colocar viaturas policiais atrás dos frequentadores, com o objetivo de fazê-los andar sem trégua pela cidade, para que se cansassem e aceitassem de bom grado a internação em clínicas para dependentes químicos. Outra foi a de dispersá-los com jatos de água e spray de pimenta. Outra, ainda, a de retirá-los do local duas vezes por dia, para a lavagem da sujeira nas calçadas, intervenção que os obrigava a sair e a voltar para a esquina das ruas Helvécia e Cleveland, nas proximidades da Sala São Paulo, sede da Orquestra Sinfônica, orgulho dos paulistanos."

Então qual é a solução? Não tem. Ao menos em prazos no horizonte. O que parece mais razoável é conviver com essa realidade difícil, não passivamente, tampouco de modo truculento. É preciso colocar em prática políticas de redução de danos, da miséria e da exclusão.

Durante a gestão de Fernando Haddad na cidade (2013-2016) tentou-se esse caminho. Erros foram cometidos, não se discute. Mas poderiam e deveriam ter sido corrigidos, num processo de aperfeiçoamento das iniciativas. Preferiu-se, no entanto, acabar com o programa e retomar a picada da violência e da repressão para atingir o inalcançável objetivo da abstinência e encerrar o assunto.

É vexatória a atuação das autoridades do estado e da capital paulista nesse tema, com o apoio confuso e retrógrado de setores da população. O fato é que não há nem por parte da prefeitura, nem por parte do governo estadual, políticas públicas e diretrizes que fiquem de pé. Para repetir o velho provérbio, vai-se semeando o vento e colhendo seguidas tempestades.

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