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Nathália Oliveira e Vinícius Alves

Democracia também é vítima da guerra às drogas

Devemos aproveitar o exemplo de países que apontam a proibição como um modelo obsoleto

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Nathália Oliveira

Socióloga, cofundadora da Iniciativa Negra e membro da Secretaria Executiva da Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas

Vinícius Alves

Mestrando em estudos feministas, é consultor da PBPD

Dentro de pouco mais de um mês serão oficializados os programas de governo dos candidatos à Presidência da República e às gestões estaduais. Nesse mesmo período também acontece uma primavera de manifestações nas ruas das capitais brasileiras sob o mote das Marchas da Maconha. Ainda que esses eventos não sejam interdependentes, é relevante que a agenda política se debruce na construção de soluções para os problemas denunciados pelas marchas, que se levantam e crescem a cada ano, apontando que a pauta é muito maior do que o simples arbítrio de fumar maconha.

É importante lembrar que o Brasil é pioneiro do retrocesso humano imposto a partir da guerra às drogas, criminalizando a cannabis já no século 19, juntamente com um conjunto de leis que, declaradamente, criminalizou e marginalizou as pessoas negras, à época escravizadas. Desde a abolição inconclusa, é possível traçar uma linha histórica de como essa guerra se amplia para diversos setores da sociedade. Atualmente, ocupa uma das principais agendas contemporâneas capazes de orquestrar a representação das estruturas político, econômica e sociais de continuidade do racismo.

Ao optarem pelo pacto proibicionista e pelo altíssimo investimento na opção da guerra, os governos federal, estaduais e municipais operam políticas que sequestram uma grande parte do Orçamento público para a segurança pública. Além do alto custo, tangível e intangível, é comprovado que essa guerra não diminuiu produção, circulação nem consumo de substâncias consideradas ilícitas até hoje. Ou seja, ela se tornou um gasto ineficaz e deixou de ser um investimento real e eficiente há muito tempo.

É neste momento crucial para a democracia que a sociedade brasileira deve ter a coragem de impor a interdição e o fim da guerra às drogas. Este deve ser um dos temas centrais para a discussão do novo pacto democrático, aproveitando o exemplo de vários países que nos apontam a proibição como um modelo obsoleto e apresentam a construção de novos marcos regulatórios para substâncias como a cannabis.

Diante desse cenário, o desafio posto na mesa da política brasileira não se trata de seguir apenas com o paradigma proibicionista enquanto horizonte, mas sim construir o projeto econômico de nosso país que permita nos posicionar nesta nova indústria transnacional. O Brasil seguirá pagando uma conta histórica cara ou aproveitará a onda internacional de investimentos na regulação —sobretudo da cannabis—, transformando, criativamente, nosso déficit em ativo?

A guerra não é mais uma opção para nós. A democracia fica em risco na medida que está atravessada pela corrupção sistêmica do tráfico internacional de drogas. Não podemos mais ser reféns e vítimas da guerra às drogas, que significa não ter comida no prato, vacina no braço, universidade pública de qualidade, creche, espaços culturais, serviços básicos de saúde pública funcionando, programas continuados de transferência de renda, investimento na promoção da vida etc.

Como dizemos há muitos anos: é por isso que marchamos! Somos aquelas e aqueles que não suportam mais pagar essa conta cruel, desumana e injusta com pessoas pretas e territórios empobrecidos, que sofrem as consequências da guerra. Talvez só o processo da escravização tenha sido tão cruel, desumano e injusto com pessoas pretas quanto é essa opção política.

Por isso, marchamos. Semeamos as sementes de um pacto coletivo pautado na vanguarda da transformação de paradigmas atualmente hegemônicos. Questionamos valores em todos os sentidos, pois não podemos seguir com um Estado que existe para matar pretos e pobres.

Neste sábado (11), às 14h30, a gente se vê no Masp, na avenida Paulista, em São Paulo.

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