Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".
Dias de ira e de alegria
A liberdade e as prisões de Battisti no Rio e na Papuda, em Cananeia e no Embu
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Polícia Federal, abril, 2007. Numa cela onde só cabem dois, Cesare Battisti convive com sete detentos. Na sede da PF, em Brasília, está esquálido, maltrapilho e meio surdo devido à otite. Seus colegas de cana, imberbes ladrões de fios de cobre, dedicam-se a uma infatigável algazarra.
Asa Sul, junho. Vincenzo conta que, na juventude, seu irmão parecia os companheiros de cadeia. “Era um rato das ruas”, diz. Como o visitou no México e na França, brinca: “Cesare é meu agente de turismo”. Numa das viagens, Vincenzo teve “um baita problema”, engravidou uma moça.
PF, julho. Battisti diz que foi autorizado pelo governo francês a fugir de Paris para o Rio de Janeiro, a fim de escapar da extradição determinada pelo presidente Jacques Chirac, que fizera um acordo com Berlusconi.
Mas Chirac —que posava de herói do direito de asilo— não queria o ônus da expulsão.
Preferia que Battisti sumisse. Na clandestinidade carioca, ele foi acintosamente monitorado por agentes franceses.
Papuda, abril-setembro, 2008. A transferência para o presídio lhe melhorou o ânimo, mas ele continuava com dificuldade de concentração. Diz que sua prisão foi determinada por Nicolas Sarkozy, para servir de propaganda na campanha ao Eliseu. A PF deu cor local à operação.
Sua formação intelectual é limitada. Não obstante, é um artista à Jean Genet. “L’Ultimo Sparo” e “Avenida Revolución” tematizam a revolta pré-política, a errância, o sexo e a solidão.
Bamboo Bar, outubro, 2009. É a nona viagem a Brasília da pintora Jo e da zoóloga e
escritora Fred Vargas. Acompanham de perto o que chamam de “caçada a Battisti”.
Os dossiês exaustivos sobre a perseguição foram feitos pela própria Fred e por Carlo
Lungarzo —ambos treinados em ciências exatas, estrangeiros e humanistas distantes da política. Não é um acaso.
Aqui, verdade, justiça e solidariedade tendem a ser tidas por irrelevâncias. O beletrismo ostentatório conta mais que argumentos fundados em fatos. Fâmulos da Embaixada da Itália se dedicam ao estridente linchamento de Battisti e ninguém os confronta.
Jo Vargas observa: “Sem o ‘eu acuso’ de Zola, no affaire Dreyfus, milhões de outros judeus teriam sido assassinados pelos nazistas”.
STF, novembro, 2009. Três dias de palavrório ideologizado. Os togados não notam que o documento de Battisti constituindo advogados na Itália é uma fraude descarada.
Ocultam que inexiste prova de que ele tenha matado alguém, exceto a delação interesseira de “arrependidos”, um conceito medieval. Ilógicos, estabelecem que cometeu crimes comuns, mas cabe ao presidente decidir o seu destino.
Telefonema, dezembro, 2009. Sarkozy pede a Lula que acolha Battisti. O presidente
francês se casou há meses com Carla Bruni, irmã da atriz Valeria Tedeschi. Italianas, filhas de uma família milionária que fugiu de ataques terroristas na Itália, elas acham que o conterrâneo é inocente.
Pragmático, Lula concorda: na política e na economia, a França é mais importante que a Itália. Decide depois da eleição de Dilma —também ela falsamente acusada de terrorismo.
Ipanema, janeiro, 2010. Quem reconhece o recém-libertado lhe faz sinal de positivo com o polegar. “Nunca mais irei embora”, diz Battisti, com um sorrisão de orelha a orelha.
Cananeia, julho, 2011. Seu amigo Magno de Carvalho, sindicalista, lhe empresta a casa no vilarejo. A molecada o apelida de Piradinho porque é um andarilho contumaz. Cozinha um peixe dos deuses.
Progresso, junho, 2012. Os dez mil Battisti gaúchos e barrigas-verdes, descendentes de imigrantes, homenageiam Cesare com um churrasco-monstro no burgo de 6.000 almas, no Vale do Taquari.
De botas, bombachas, lenço e chapéu, ele discursa para uns 200 Battisti: “Vocês ficaram do meu lado, me acolheram como a um filho pródigo”. Chora.
Embu das Artes, meados de 2014. Muda-se para lá porque precisa ir com frequência a uma Farmácia Popular, pegar remédio para a hepatite. Policiais italianos o vigiam sem disfarçar.
Jardins, Dia de Reis de 2015. Come Galette des Rois com amigos. Eduardo Suplicy telefona várias vezes dizendo que chegará logo. Não chega.
Perdizes, setembro, 2018: “Bolsonaro vai ganhar?”, indaga, aflito. Ao telefone, em dezembro: “Onde foram parar os brasileiros?”.
Sardenha, anteontem. O advogado de Battisti o visita no cárcere de Oristano, na Sardenha. Acha sua aparência péssima e pede que o médico da prisão o examine. Era cansaço.
Passará um semestre no isolamento, recebendo quatro visitas por mês. Seu irmão Vincenzo, que queria vê-lo logo, terá de esperar até não se sabe quando.
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