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Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

Descrição de chapéu Governo Biden Armênia

Reconhecimento do genocídio armênio assinala regresso dos EUA à civilização

Gesto de Biden mostra como história dos genocídios é frágil e incompleta

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Ao tomar a decisão histórica de considerar como um genocídio a sucessão de massacres que levaram à morte de 1,5 milhão de armênios entre 1915 e 1923 nos escombros do Império Otomano, o presidente dos EUA, Joe Biden, sinalizou uma mudança na política de alianças no Oriente Médio.

Os predecessores de Biden nunca cruzaram a linha do reconhecimento, por medo de alienar a Turquia. O país-membro da Otan, por onde passaram 70% dos aviões americanos durante a guerra no Iraque, construiu a sua identidade moderna em torno da negação do genocídio.

Minado por uma grave crise econômica e acusado de participar da expansão do islamismo radical na Europa, o regime de Recep Tayyip Erdogan perdeu a sua aura. Na geopolítica de Biden, Ancara será apenas um parceiro secundário, sem direito a privilégios diplomáticos e militares.

O acontecimento também assinala o regresso dos Estados Unidos à civilização.

Uma das bandeiras da era populista capitaneada por Donald Trump é o vandalismo contra os monumentos sagrados da história. Não por acaso, a banalização das analogias com o Holocausto tem sido um dos artifícios retóricos prediletos dos bolsonaristas durante a pandemia.

O Museu do Holocausto foi obrigado a se reinventar em uma agência de checagem de fatos para denunciar os absurdos proferidos por autoridades públicas como o secretario especial de Cultura, Mário Frias. O fato de estarmos debatendo o reconhecimento de um genocídio do século 20 em pleno século 21 mostra como a historiografia dos grandes crimes contra a humanidade ainda é uma construção frágil e incompleta.

A Alemanha está em plena negociação por um acordo de reparação com a Namíbia pelo genocídio dos Herero entre 1904-1908, que vai criar um precedente global, e a França está iniciando um doloroso processo de esclarecimento sobre o seu papel em outro genocídio, o de Ruanda.

O recém-publicado relatório da comissão Duclert, convocada por Emmanuel Macron numa decisão de grande clareza democrática, revela o naufrágio ético, militar e político da França e destaca, entre outros elementos sórdidos, a obsessão do presidente François Mitterrand (1916-1996) com a influência neocolonial de Paris na África e o envolvimento direto de diplomatas na formação e no armamento do governo extremista hutu responsável pelos massacres.

Tema de um dos mais instigantes filmes do Oscar deste ano, "Quo Vadis, Aida?", o genocídio bósnio, demonstrado em duas cortes internacionais, continua sendo relativizado por figuras como o escritor nobelizado Peter Handke e o intelectual icônico Noam Chomsky. O negacionismo é um suicídio da alma que não conhece fronteiras ideológicas.

Por fim, cabe destacar que a decisão de Biden é um marco para a comunidade armênia no Brasil.

Esta tem a característica trágica de ter sido forjada pelos acontecimentos de 1915: foi depois do genocídio que ocorreu a grande vaga migratória da Armênia para o Brasil.

O seu reconhecimento pela maior democracia do mundo encerra um capítulo de uma luta que se confunde com a própria história de milhares de famílias brasileiras.

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