A administração Biden tem inspirado respeito no mundo inteiro por sua ação decisiva contra a pandemia de coronavírus e por sua coragem de lançar um programa de retomada da economia fortemente vinculado ao desafio do aquecimento global. A sociedade brasileira vê com alívio a atuação de um governo comprometido com os valores da democracia liberal e da justiça racial.
Afinal, fomos vítimas colaterais da fúria extremista nos Estados Unidos. Sem a força legitimadora do governo Trump, dificilmente teríamos assistido à emergência do bolsonarismo.
É por isso que recebemos com apreensão a notícia de que o senhor planeja abrir uma negociação com o governo brasileiro na cúpula do dia 22 de abril, com vista, segundo relatos, à instituição de metas para o desmatamento na Amazônia até 2030.
Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal obrigou o Senado a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid. Uma oportunidade inesperada para a classe política comprovar a responsabilidade do governo e exigir a punição dos responsáveis pela tragédia que atravessamos. A discussão será acompanhada de perto pela comunidade internacional, cada vez mais atenta ao papel do Brasil no descontrole da pandemia.
Ao aceitar os termos do governo brasileiro, o senhor, na condição de enviado especial para o clima, estaria concedendo a Bolsonaro uma vitória inesperada e gratuita num momento decisivo. Ele aproveitaria o balão de oxigênio para tornar irreversível seu projeto de transformação radical da Amazônia, marcado pelo esvaziamento das agências ambientais e pela promoção de novos projetos de infraestrutura predatórios.
Até agora, Bolsonaro nunca se preocupou em cumprir as metas econômicas assumidas internacionalmente. Acreditar que pode ser diferente com o meio ambiente é alimentar uma ilusão perigosa.
Os Estados Unidos podem tomar medidas concretas para a preservação da Amazônia sem correr o risco de ajudar o bolsonarismo. Basta as agências norte-americanas ampliarem a cooperação soberana com atores públicos com provas dadas na defesa do meio ambiente, como o Consórcio de Governadores da Amazônia Legal. Washington pode desenhar um pacote de doações de vacinas para o SUS e de medidas contra os desmatamento endossadas por essas autoridades.
Um acordo ambiental com o governo federal que mais atacou a Amazônia na era democrática seria o equivalente a Ulysses S. Grant, depois de consolidar a Abolição nos Estados Unidos, abrir negociações com o gabinete de Rio Branco para administrar o escravismo brasileiro em 1871.
Uma afronta a Jimmy Carter, que tanto lutou para promover a transição democrática no Brasil. Uma afronta a Al Gore, que mal podia acreditar quando ouviu Bolsonaro falar sobre a exploração da Amazônia. Esse acordo, secretário John Kerry, seria uma afronta à história democrática dos Estados Unidos que a administração Biden batalha para resgatar.
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