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Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

A democracia que foi sem nunca ter sido

Livro reconstitui censura à obra de Dias Gomes na ditadura e na Nova República

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Dias Gomes (1922-1999) foi um dos autores de televisão mais perseguidos pela censura durante a ditadura militar. O caso mais célebre foi “Roque Santeiro”, a primeira novela a ser inteiramente vetada pela censura, dias antes da estreia, em agosto de 1975. A trama do folhetim se baseava na peça “O Berço do Herói”, do mesmo autor, proibida no dia da estreia, em julho de 1965.

Ao se debruçar sobre o embate de Dias Gomes com a censura, a colunista da Folha Laura Mattos entendeu ser importante acrescentar um terceiro marco a esta história —os cortes impostos pela censura à segunda versão de “Roque Santeiro”, lançada em junho de 1985, já em período democrático.

Este é o lance de mestre do recém-lançado “Herói Mutilado - Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura” (Companhia das Letras, 400 págs., R$ 94,90).

Roque Santeiro, o falso herói que seria capaz de causar desgraça a Asa Branca quando se descobre que ele não morreu, é a imagem perfeita que Laura encontrou para contar a história de outra farsa, o fim da censura.

O livro é uma adaptação de dissertação de mestrado defendida na ECA-USP e transita muito bem entre o jornalismo, a história e a sociologia.

Documentos inéditos, entre os quais um diário pessoal e cartas garimpadas pela autora no acervo de Dias Gomes, ajudam a entender melhor a visão de mundo do militante comunista e o seu jeito irônico e carrancudo.

A primeira legislação de censura ao teatro no país data de 1843. A censura prévia a espetáculos aparece na legislação republicana de 1920. A autora lembra que, imediatamente após o golpe de 1964, a ditadura militar nem precisou criar novas leis censoras, bastando ajustar as que já vigoravam desde 1946.

A atualidade do assunto transborda em diversas passagens. Laura reconstitui, por exemplo, como a censura a “O Berço do Herói”, em 1965, expôs uma primeira grande insatisfação com os militares por parte de intelectuais liberais que haviam apoiado o golpe de Estado um ano antes.

Da mesma forma, os vetos que inviabilizaram a primeira versão da novela, em 1975, levaram Roberto Marinho a manifestar publicamente, pela primeira vez, insatisfação com o regime que apoiou.

O envolvimento pessoal de Dias Gomes ao longo de todo o processo de resistência à ditadura (e à censura) o leva a ocupar uma posição de destaque no momento inicial de redemocratização do país.

Laura é muito feliz ao enfatizar a aceitação por parte de intelectuais e artistas da ideia de fim da “censura política”, mas não da que obedece a critérios morais e de costumes. Assim, permanece, até a Constituição de 1988, o uso dos instrumentos de censura que serviram ao regime anterior.

Maior sucesso da história da teledramaturgia, “Roque Santeiro” sofreu dezenas de cortes nos seus primeiros 108 capítulos. Em sua autobiografia, “Apenas um Subversivo”, Dias Gomes não menciona o fato.

Em agosto de 1986, o ministro da Justiça, Paulo Brossard, determinou cortes em “Cobra”, de Sylvester Stallone. Dias Gomes apoiou a medida. Em fevereiro de 1986, o governo Sarney proibiu “Eu vos Saúdo, Maria”, de Jean-Luc Godard.

Em abril, Roberto Marinho determinou que a minissérie baseada em “O Pagador de Promessas”, de Dias Gomes, fosse enxugada de 12 para oito capítulos. Censura interna, por pressão dos patrocinadores, para suprimir o enredo sobre a reforma agrária, conta Laura.

“Ampla, geral e irrestrita, a censura conta com o suporte de parte da sociedade, que não só a deseja como a exige”, escreve a autora. Na ditadura ou na democracia. “Roque Santeiro é um mito. O fim da censura também é”, conclui.

Erramos: o texto foi alterado

A censura do filme de Godard pelo governo Sarney foi em 1986. O texto foi corrigido.

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