Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Meio de primeira necessidade

Em biografia, Fernanda Montenegro realça a importância da TV em sua vida

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Tivemos certeza de que a televisão americana estava vivendo uma era de ouro, no início deste século, quando atores consagrados de Hollywood e da Broadway começaram a se envolver em diferentes projetos de séries. Foi o reconhecimento que a TV havia deixado a “segunda divisão” e assumido uma posição central na indústria do entretenimento.

No Brasil, esta distinção nunca ocorreu na prática. Sempre foi assim. E não porque os atores considerassem a televisão equivalente ao teatro e ao cinema em matéria de qualidade e prestígio, mas simplesmente por falta de opções de se manterem como profissionais.

Fernanda Montenegro, a maior atriz brasileira, trata deste assunto com naturalidade em “Prólogo, Ato, Epílogo” (Companhia das Letras, 344 págs., R$ 49,90). Não é o assunto principal, mas está presente em diferentes passagens da recém-lançada autobiografia, escrita com a colaboração de Marta Góes.

Ao rever os seus 90 anos de vida e sete décadas de carreira, Fernanda oferece momentos de muita emoção, mas nunca abandona a objetividade e a autoironia, seja ao falar de sua vida pessoal ou de sua trajetória profissional.

“À TV eu devo —e não só eu— um retorno financeiro que é origem e base de uma independência econômica nesta minha velhice. Isso depois de estar a serviço de uma dramaturgia eletrônica há mais de 70 anos”, escreve ela.

A televisão aparece em sua trajetória já em janeiro de 1951, logo depois da estreia nos palcos, contratada para atuar em teleteatros na Tupi do Rio. Posteriormente, trabalhou no “Grande Teatro”, na mesma emissora. No total, esteve em mais de 400 adaptações teatrais na TV.

“Vivendo daquele minguado cachê da TV, numa utopia absoluta”, como diz, foi possível reunir coragem para criar a importante companhia Teatro dos Sete, com Gianni Ratto. Mas os espetáculos não alcançaram, sempre, os resultados comerciais esperados. “Nós comíamos do ‘Grande Teatro Tupi’”, conta.

Grávida, Fernanda atuou na primeira novela escrita por Nelson Rodrigues, “A Morta Sem Espelho” (1963), na TV Rio. Fez o papel principal, uma ingênua heroína. “Era focalizada só em close, ainda devido à minha bela e gloriosa barriga.”

Em 1968, “em meio a tanta insegurança e pavor geral, milagrosamente, a TV Excelsior me ofereceu um contrato, de três anos, com salário mais que respeitável. Impensável”, escreve. O alívio não durou muito.

Com dívidas, asfixiado pelo governo militar, o canal foi lacrado em 1970. “Fernando (Torres, seu marido) fora contratado pela TV Record. Era desse contrato que nós comíamos.”

Levada para a Globo por Manoel Carlos (“um novelista referencial”), para atuar em “Baila Comigo” (1981), Fernanda fez desde então muitas novelas, mas também séries e especiais que a marcaram. “Novela é folhetim, melodrama. É o que eu mais gosto de fazer em televisão, apesar do desesperado trabalho que é dar conta dos projetos. Na base, ainda são as histórias lidas por minha mãe, lá na infância.”

A atriz bate palmas para Boni, pelo “avanço e o apuro da indústria televisiva no Brasil”, e Daniel Filho, “nos bastidores, comandando com sucesso absoluto a dramaturgia e os elencos”.

Fala com carinho de Luiz Fernando Carvalho, pela “saudosa parceria” em vários trabalhos (além de novelas, “Riacho Doce”, “A Pedro do Reino” e “Hoje É Dia de Maria”). E elogia Guel Arraes (por “O Auto da Compadecida”), Jorge Furtado (“Doce de Mãe”) e Silvio de Abreu (“Guerra dos Sexos”).

Haveria ainda muito o que dizer deste ótimo “Prólogo, Ato, Epílogo”. Encerro com uma reflexão da autora. “Por mais longa que seja a vida de um ator, ele não tem como declarar: ‘Estou pronto’. E se o fizer, não é do ramo.”

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