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Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Em 58 anos, nunca a Globo sofrera a hostilidade de um presidente como de Bolsonaro

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Os créditos de encerramento da estreia do BBB 23 ainda eram exibidos na Globo quando, abruptamente, surgiu uma tela preta, com as seguintes palavras: "Em abril de 1964 um golpe militar derrubou o presidente João Goulart e instaurou uma ditadura no Brasil".

Oito dias depois que bolsonaristas tentaram um golpe contra a democracia e o recém-empossado governo Lula, muita gente saltou da poltrona ao ler a mensagem.

A imagem de abertura de "Marighella" na Globo na noite de 16.jan.2023 - Reprodução/Globo

Foi intencional. Tratou-se da transição do final do reality show para o início do primeiro episódio da minissérie "Marighella", sem a inserção de um intervalo comercial entre os dois. É uma estratégia corriqueira na televisão, que visa obter a maior migração possível da audiência de um programa para o outro.

O que chamou mesmo a atenção foi o conteúdo escalado para o final das noites de segunda (16) a quinta-feira (19) desta terceira semana de janeiro. Trata-se de uma versão estendida, com cenas inéditas, do filme "Marighella", dirigido por Wagner Moura, com base na biografia de Mario Magalhães sobre o líder guerrilheiro de esquerda.

Pronto desde 2019, o longa-metragem coproduzido pela Globo Filmes enfrentou por dois anos o que Moura chamou de "uma censura diferente, que usa instrumentos burocráticos para dificultar produções das quais o governo [Bolsonaro] discorda".

A escolha de "Marighella" para exibição depois do BBB 23 não foi à toa. Para além das suas qualidades, mostra a clara intenção de levar ao grande público uma história importante, que merece ser conhecida, apesar de ainda causar incômodo e irritação entre setores mais conservadores.

A cobertura elogiável que a emissora está fazendo sobre os atos golpistas de 8 de janeiro, chamando as coisas pelos nomes certos e expondo as responsabilidades, vai na mesma direção. É um sinal de reconhecimento de erros passados, amadurecimento e pragmatismo —um retrocesso político não interessa mais à empresa.

Ao explicar por que exibiu duas vezes uma mesma reportagem no "Fantástico" no último domingo, a apresentadora Poliana Abritta disse: "É um documento que precisa ficar na nossa memória para que as verdadeiras pessoas de bem digam não ao vandalismo e não à violência e ao ódio de radicais que não aceitam a escolha da maioria do povo brasileiro".

Nesta semana, a Globo também exibiu vídeos chocantes da invasão, trazendo depoimentos de "quem de fato agiu com patriotismo no dia 8 de janeiro", como anunciou William Bonner: os profissionais da segurança pública que enfrentaram os vândalos bolsonaristas.


O governo do capitão foi um período complicado para a Globo. Nos quase 58 anos da emissora, quase sempre de boas relações com o poder, nunca um presidente a hostilizou publicamente com o mesmo ódio declarado de Bolsonaro. Nunca um presidente fez tantas observações grotescas, piadas infames e ofensas a profissionais e programas de uma emissora de televisão.

Em fevereiro de 2019, com menos de dois meses no cargo, num áudio para um ministro, o presidente classificou a Globo como "inimiga".

Em outubro de 2019, irritado com uma reportagem do Jornal Nacional que associou o seu nome ao da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, Bolsonaro se referiu à Globo com as seguintes palavras: "Patifes", "canalhas", "imprensa porca", "jornalismo podre", "nojenta", "imoral".

Bolsonaro em live no Facebook em que classificou a Globo como 'patifes', em 29.out.2019 - Bolsonaro no Facebook


Por três anos insinuou que poderia não renovar a concessão do canal, programada para vencer no final de 2022. A dez dias do fim do seu mandato, em silêncio, assinou o decreto que renovou a concessão.

A derrota de Bolsonaro nas eleições foi um alívio para todos os que temiam os riscos que ele representava à democracia. Mas, pelas marcas que deixou, acredito que teve um sabor especial para a Globo.

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