Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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A Globo nunca mais terá um narrador com tanto poder quanto Galvão

Comprometido em agarrar o espectador pelo colarinho, locutor transformava qualquer partida de futebol numa ópera

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Bem, amigos, Galvão Bueno não vai mais narrar jogos de futebol na Globo. Ao final da espetacular partida entre Argentina e França, o narrador despediu-se do público e ganhou uma longa homenagem da emissora.

Houve quem, com razão, tenha considerado um despropósito o espaço dedicado pela Globo a Galvão após o jogo. Pareceu provinciano ver o narrador rivalizando, a certa altura, com Messi e Mbappé, os grandes personagens da final da Copa.

Mas explica-se: voz da Globo por 41 anos, Galvão foi muito mais do que um "speaker", como o chamava Roberto Marinho. Transformou-se num mestre de cerimônias, como um apresentador de programa de auditório, mas com um alcance e um poder que nenhum outro jamais teve.

Galvão Bueno - João Cotta/Globo

Comprometido em agarrar o espectador pelo colarinho, Galvão transformava qualquer partida de futebol, mesmo um Olaria e Madureira, numa ópera com alta carga dramática.

Dizia-se, por isso, um "vendedor de emoções". Sua missão sempre foi a de entreter o público e elevar os índices de audiência. Conseguindo isso, os patrocinadores das transmissões da Globo se sentiam recompensados pelos investimentos feitos.

O Galvão operístico desenvolveu um vasto arsenal. Frequentemente indignado com decisões dos árbitros, insuflava o público. Mediúnico, antecipava o que um jogador ou um piloto estava pensando em fazer. Às vezes, desesperado, contando apenas com a voz e o microfone, dava instruções, orientando a equipe a fazer determinada jogada.

Lançou bordões que reforçavam o caráter dramático de suas transmissões —"Haja coração!", "É teste para cardíaco, amigo"— e criou várias mitologias, entre as quais a de que brasileiros e argentinos se odiavam.

Depois da transmissão da vitória da Argentina sobre a França, Galvão foi às redes sociais e se corrigiu: "Para quem passou a vida inteira brincando com a Argentina, que ‘ganhar é bom, ganhar da Argentina é muito melhor’, hoje eu tenho que dizer: narrar uma final é bom! Narrar um título da Argentina, fora o Brasil, é ainda melhor!".

Em meio às homenagens que recebeu no domingo, Galvão disse: "Fiz muitas críticas; algumas eram minhas, outras eram da casa". Não esclareceu quando falou em nome da Globo, mas é possível especular que a sua campanha mais recente —"a camisa da seleção é de todos os brasileiros"— tenha sido inspirada pela emissora. Em nome do sucesso da Globo na Copa, era preciso resgatar a camisa amarela dos bolsonaristas.

Como certa vez observou o repórter Tino Marcos, Galvão teve "ligações perigosas" com Ricardo Teixeira e J. Hawilla (1945-2018), ambos acusados de inúmeros negócios escusos no mundo do futebol. "Talvez tenha me aproximado um pouco demais de pessoas que me decepcionaram. Alguns dirigentes. O Ricardo é um deles", reconheceu em 2019.

Muito se especulou sobre quem será o substituto de Galvão. Não haverá um substituto. A Globo nunca mais deixará que um narrador esportivo tenha o poder alcançado por Galvão. Ao vivo, ele se tornou uma figura maior que a emissora, com liberdade para escrever o próprio roteiro de suas transmissões para milhões de pessoas.

Poucos apresentadores na história mais recente da televisão usufruíram desse poder. Penso em Faustão, quando fazia o seu programa ao vivo na Globo. Ou em Silvio Santos, dono do seu próprio canal. Quem mais? Com a saída de cena de Galvão, encerra-se uma era.

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