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Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

Descrição de chapéu casamento

Por que tantas mulheres fingem orgasmos?

Por que, em pleno século 21, as mulheres precisam fingir um prazer que elas não sentem?

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As mulheres fingirem orgasmos é algo tão comum que inspirou uma cena memorável do filme “Harry e Sally: feitos um para o outro”, de 1989. O mais famoso orgasmo do cinema se passa em um restaurante lotado de Nova York. No meio de uma discussão, para provar a Harry (Billy Cristal) que ele é incapaz de reconhecer se as mulheres estão fingindo ou não, Sally (Meg Ryan) para de comer seu sanduíche e começa a gemer e simular um orgasmo. Uma senhora idosa, que observou atentamente a apoteose da performance de Sally, imediatamente pede ao garçom: “Eu quero o mesmo que ela está comendo”.

Cena de "Harry e Sally: feitos um para o outro" (1989) - Reprodução YouTube

Afinal, quem nunca fingiu ter um orgasmo?

Fiz entrevistas com mulheres de mais de 40 anos e perguntei se elas já fingiram. Mais de 60% responderam que sim, especialmente quando estão exaustas, sem vontade de fazer sexo e querem agradar ao parceiro; 20% disseram que fingem sempre ou quase sempre porque querem acabar logo com a transa e dormir; e 3% responderam que fingem porque nunca conseguem ter um orgasmo com o marido (e só chegam ao clímax com o vibrador ou assistindo a vídeos pornô).

Elas contaram que tentam evitar o sexo com as mais variadas justificativas: dor de cabeça, cansaço, preocupações, problemas, falta de concentração, doenças e outras desculpas. No entanto, muitas acabam transando mesmo sem tesão, como uma professora de 47 anos:

“Por que fingimos? Porque nos sentimos pressionadas a demonstrar prazer mesmo quando estamos sem vontade, disposição e tesão; porque sentimos insegurança, culpa e medo de perder o marido; porque queremos que o nosso amor se sinta feliz e satisfeito; porque não queremos criar um problemão e uma DR só porque estamos cansadas e queremos dormir; porque, na nossa cultura, é muito difícil uma mulher ter a coragem de dizer não; porque temos vergonha de falar sobre o que realmente dá prazer; porque não queremos que achem que somos frias, frígidas, neuróticas e problemáticas; porque queremos ser amadas, reconhecidas e valorizadas; e por inúmeras outras razões que, muitas vezes, desconhecemos”.

Algumas vezes ela até consegue dizer não, mas com “muito jeitinho”:

“Meu amor, hoje eu estou com TPM, exausta, com dor de cabeça... Vamos deixar para transar amanhã?”

Para ela, fingir é também uma forma de se proteger contra a infidelidade masculina:

“Conheço a natureza masculina. Se eu não transar e fingir que gozei, meu marido vai buscar uma periguete qualquer na internet. Mesmo exausta e sem vontade, transo sempre que ele quer só para ele não ser infiel. Finjo que gozo só para poder dormir logo”.

Ela acha que os homens não percebem quando as mulheres fingem:

“Tenho uma amiga que finge tão bem que o marido acredita que ela tem orgasmos múltiplos. Que mulher está conseguindo ter orgasmos múltiplos em meio a tantas crises e desgraças? Não conheço uma única mulher que nunca fingiu. Eu tenho fingido cada vez mais, pois estou estressada, sobrecarregada e exausta e só quero dormir. Qual é o problema?”

Não acredito que os homens são tão crédulos, bobos ou ingênuos assim. Parece que existe um pacto implícito: as mulheres fingem que gozam e os homens fingem que acreditam que elas gozam.

Por que tantas mulheres precisam fingir ter um orgasmo somente para agradar aos homens e satisfazer as expectativas sobre o comportamento sexual feminino? O que aconteceria com as relações amorosas e sexuais se as mulheres não fingissem mais?

Desde que comecei a escrever sobre as mulheres que fingem orgasmos, o poema “Autopsicografia”, de Fernando Pessoa, não sai da minha cabeça: “O poeta é um fingidor/ finge tão completamente/ que chega a fingir que é dor/ a dor que deveras sente”.

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