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Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Você também não aguenta mais a polêmica sobre o tapa do Will Smith?

O silêncio pode dizer coisas mais importantes do que a verborragia raivosa das redes sociais

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"Oi, sumida, cadê você? Não te vejo mais aqui no Insta. Cadê seus textões que eu amo de paixão?"

"Como assim, sumida?", respondi para minha amiga. "Todos os dias, a primeira coisa que faço é escrever o meu textão. Por que desapareci no Insta? O que fiz de errado?"

Parafraseando a célebre frase: "É a economia, estúpido", ela respondeu: "É o algoritmo, estúpido".

"O algoritmo não fica feliz quando você não segue as regras dele. Quando ele não gosta do que você faz, esconde seu perfil. Você tem mais engajamento do que influenciadoras que têm milhões de seguidores, mas você tem que parar de escrever textões sobre tristeza, violência contra os velhos, pandemia, guerra, crises. Começa a fazer vídeos de dancinhas engraçadas".

- Gabriel Cabral/Folhapress

Ela deu mais exemplos do que o algoritmo não gosta:

"Mirian, em vez de escrever sobre o tapa do Will Smith como todo mundo está fazendo, você postou um vídeo do Ney Matogrosso cantando a música "Fala", de 1973?".

Verdade. Eu não sei dizer nada por dizer ou escrever sobre o que todos estão escrevendo, então postei:

"Eu não sei dizer nada por dizer, então eu escuto/ Se você disser tudo o que quiser, então eu escuto/ Fala/ Se eu não entender não vou responder, então eu escuto/ Eu só vou falar na hora de falar, então eu escuto/ Fala".

Criei um perfil no Instagram em maio de 2018 porque muitas mulheres que viram o meu TEDx "A invenção de uma bela velhice" pediram. Passei a gastar alguns minutos, duas vezes por semana, para postar uma foto e algumas frases.

No dia 24 de dezembro de 2021 recebi uma mensagem que mudou completamente minha conexão com o mundo virtual:

"Oi, Mirian, acho tão bonito e único esse seu jeito de responder cada uma das mensagens que recebe. Faz a gente se sentir muito especial. Além desse mimo, vem sua escrita tocante, sensível, real. É das coisas que mais gosto no Insta. Aqui a gente vê tanto dos outros, mas somos invisíveis. Daí encontramos você que, mesmo sem a potência dos olhos nos olhos, consegue enxergar a gente por dentro, nos responde, nos faz importantes. Você humaniza esse mundo virtual".

Desde então, passo horas e horas, todos os dias, escrevendo e respondendo as mensagens que recebo. Algumas vezes são 500 ou até mais, mas respondo uma por uma.

Aprendi, em mais de 30 anos como pesquisadora e professora de métodos e técnicas de pesquisa, o que é "ponto de saturação": o momento de parar, quando não adianta ouvir mais pesquisados, pois eles não acrescentam ideias novas, só repetem o que já foi dito pelos outros e não ajudam a compreender o fenômeno estudado.

Quando posto meus textões não fico me perguntando se o algoritmo vai ficar feliz ou não. Estou mais preocupada com o que meus leitores e leitoras vão comentar sobre uma questão que considero realmente relevante. É quase um diário compartilhado, com minhas angústias, dúvidas e reflexões.

Não sei o que o algoritmo gosta ou não, nem sei se quero saber e muitas vezes tenho raiva de quem sabe e só posta com o objetivo de conseguir mais "seguidores", palavra que eu detesto. Não consigo repetir como um papagaio o que todo mundo está sendo obrigado a dizer para lacrar e lucrar de alguma forma. Aprendi a importância da "arte de calar" e que o silêncio muitas vezes diz mais do que a incontinência verbal com ares de superioridade moral e intelectual.

Como Raul Seixas, "eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo".

Cheguei no ponto de saturação, estou exausta do bombardeio verborrágico raivoso sobre a polêmica do momento que morre rapidamente assim que surge uma nova. As polêmicas e fofocas acabam nos distraindo de questões mais significativas e urgentes para as nossas vidas, não é mesmo?

Será que é exatamente isso o que o algoritmo e os especialistas em provocar polêmicas querem? Apenas nos distrair do que realmente importa?

Você também não aguenta mais a polêmica sobre o tapa do Will Smith?

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