Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg

Berta G. Ribeiro: muito mais do que a mulher de Darcy Ribeiro

A antropóloga era dedicadíssima e uma militante apaixonada da causa indígena

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Sempre fico indignada com o fato de que muitas pessoas, até mesmo no meio acadêmico, se referirem à Berta G. Ribeiro como "a mulher de Darcy Ribeiro". Em tom até de anedota, já ouvi inúmeras vezes que era Berta quem fazia as pesquisas para Darcy Ribeiro, realizando o "trabalho duro" de coletar os dados, organizar, classificar e até mesmo de escrever muitas das suas ideias brilhantes.

Berta nunca foi uma mera assessora, auxiliar, secretária ou datilógrafa de Darcy, como muitos acreditavam. Berta foi uma antropóloga dedicadíssima e uma militante apaixonada da causa indígena. Sua obra é uma referência para pesquisadores e estudiosos das áreas de museologia e antropologia em todo o mundo, sendo considerada uma das maiores autoridades em cultura material dos povos indígenas do Brasil.

Berta fez parte da minha história pessoal e, mais importante ainda, da minha trajetória como antropóloga.

Duas mulheres: a que está sentada sorri olhando para baixo; a que está em pé olha concentrada para o que a outra está fazendo
A antropóloga Berta G. Ribeiro em lançamento do primeiro livro de Mirian Goldenberg, em 1987 - Arquivo pessoal

Nos anos 1980 e 1990, estive muitas vezes com Berta e tive o privilégio de apreciar o seu rico acervo de peças indígenas cuidadosamente armazenadas em seu apartamento em Copacabana. Também acompanhei de perto a sua militância incansável pelos povos indígenas.

Mas a minha lembrança mais marcante está relacionada à minha formação como antropóloga. Foi Berta quem escreveu a carta de recomendação quando participei da seleção para o doutorado no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1987.

O que será que Berta escreveu?

Nunca vou saber, pois a carta deve ter sido queimada no trágico incêndio do Museu Nacional em 2018. Mas, apesar de não saber o que foi escrito, a carta de Berta tem um significado importantíssimo na minha trajetória como antropóloga.

Lembro que estive com Berta, duas ou três vezes, na casa de Darcy Ribeiro. Eles me pareciam ser o oposto um do outro: Darcy falando rapidamente e ininterruptamente, inquieto, ansioso, exuberante, brilhante, vibrante. Berta sempre tranquila, serena, quieta, discreta, observando e escutando muito mais do que falando, quase invisível. Esta é a imagem que ficou gravada na minha memória: Darcy, um antropólogo para fora; Berta, uma antropóloga para dentro. Duas formas muito diferentes —e talvez complementares— de fazer antropologia.

Darcy Ribeiro escreveu no seu diário de campo no dia 20 de novembro de 1949: "Berta, abro esse diário com seu nome. Dia a dia escreverei o que me suceder, sentindo que falo com você. Ponha sua mão na minha mão e venha comigo. Vamos percorrer mil quilômetros de picadas pela floresta, visitando as aldeias índias que nos esperam, para conviver com eles, vê-los viver, aprender com eles. D. R".

Poucos meses antes de sua morte, Darcy Ribeiro deu uma entrevista à Folha de S. Paulo sobre seus "Diários Índios", escritos entre 1949 e 1951. Na matéria intitulada "A maior carta de amor do mundo", de 11 de agosto de 1996, o jornalista perguntou: "Como foi reler a obra e prepará-la para publicação depois de 46 anos?".

Darcy respondeu: "Foi emocionante. Me senti jovem outra vez. Escrevi os diários quando tinha 26, 27 anos. É uma maravilha ter isso em mãos. Também fiquei muito emocionado porque tinha me esquecido que os havia escrito em forma de carta para uma mulher que amava muito, minha primeira mulher, Berta. É a maior carta de amor do mundo".

A "maior carta de amor do mundo" me fez lembrar emocionada da carta de Berta que nunca li, mas que é um marco importante da minha trajetória como antropóloga.

Berta fez da sua militância apaixonada pelos índios a razão da sua vida, como ela mesma dizia: "Não tenho família, nem marido, nem filhos. Sou sozinha. Só tenho mesmo meu trabalho com os índios. Devo a eles o que sou."

Berta assinava seus trabalhos como Berta G. Ribeiro, G de Gleizer, sobrenome que poucos conheciam. Para mim, Berta nunca foi "a mulher de Darcy Ribeiro". Afinal, ela já era Berta G. Ribeiro quando a conheci, uma importante antropóloga e grande referência na militância indigenista. Ou melhor, ela era simplesmente Berta.

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