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Descrição de chapéu Olimpíadas 2024 hipismo

Éguas brasileiras que disputam Olimpíadas têm dentista, massagista, nutricionista e até manager

Elas estão há dois anos na Holanda para se aperfeiçoar e têm rotina de exercícios na esteira, nebulização, alimentação controlada e sono vigiado por câmeras

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Paris

Elas são duas em um time de nove (os outros sete são "homens"). Elas são de famílias nobres. Elas são competitivas. Elas são temperamentais. Elas são fortes e disputam diretamente com eles, de igual para igual, na mesma categoria. Elas estão entre os melhores do mundo.

Elas são as éguas da seleção brasileira de hipismo.

Nesta quinta (1º), as premiadas Miss Blue-Saint Blue Farm e Chevaux Primavera Império Egípcio entram na pista dos jardins do Palácio de Versalhes para brigar por uma medalha na competição de saltos por equipe das Olimpíadas de Paris. Serão montadas respectivamente pelos cavaleiros Yuri Mansur e Stephan Barcha.

A arquiteta Thalita Olsen de Almeida dá um beijo na sua égua Miss Blue - Arquivo Pessoal

Na torcida estarão suas donas —sim, elas também são mulheres.

A arquiteta Thalita Olsen de Almeida é a dona de Miss Blue e cria outros 17 cavalos em seu Haras Saint Blue Farm, em Sorocaba (SP).

A cavaleira Ana Eliza Aguiar Ramos, neta do fundador do Bradesco, Amador Aguiar, está à frente do Haras Império Egípcio, com sede em Cotia e filiais na Europa. Tem cem cavalos espalhados pelo mundo —entre eles, Primavera.

A vida das duas éguas se assemelha. José Ramos, marido de Ana Eliza, diz que Primavera faz check-up todos os anos e que seus cavalos são "tratados com o maior carinho que você pode imaginar. É uma paixão. Não tem sábado, não tem domingo, não tem nada", especialmente às portas de uma Olimpíada.

Como Primavera, a égua Miss Blue tem tratadores que se revezam para que ela fique 24 horas sob seus cuidados, "como se fossem babás de uma criança", diz Thalita.

Têm também um veterinário, um fisioterapeuta, um quiroprata, um dentista, um nutricionista, um ferrador e até manager —gerente que organiza toda a vida delas, digamos, "pessoal" e profissional (José Ramos diz que ele mesmo é o manager de Primavera).

Fazem relaxamento muscular diariamente com uma capa magnética, e shockwave (terapia por ondas de choque) para aliviar a dor e ajudar na mobilidade.

Sua alimentação tem suplementos alimentares que ajudam a reforçar musculatura, tendão, ligamentos e articulação, e que também facilita a digestão.

Miss Blue, aliás, só se alimenta com ração especial e feno tratado, que é fervido para que fique livre de todas as impurezas.

Faz nebulização com água salina todos os dias, para limpar as vias aéreas. Anda em uma esteira dentro da água (tipo uma hidroginástica) para se exercitar.

Como "atletas" olímpicas, treinam duro, e diariamente. Depois descansam, e voltam a sair de seu boxes para passear, aliviando o estresse.

O sono delas é vigiado por câmeras.

Miss Blue, no entanto, tem uma particularidade: ela dorme em cama de palha, e não de feno, porque sofre de dermatite.

Quem notou o problema foi o marido de Thalita, o dermatologista Guilherme de Almeida, um dos mais conceituados do país.

"O Guilherme levou um kit de tratamentos de presente para a groom [tratadora da égua], como agradecimento por ela ser tão carinhosa com a Miss. Quando chegou, ele viu a Miss toda empipocada. Fez um shampoo formulado especialmente para ela", conta a arquiteta. Funcionou.

Assim como pais que têm recursos e enviam seus filhos para se aprimorarem em escolas estrangeiras, há dois anos Thalita mandou Miss Blue para morar na Holanda. O mesmo aconteceu com Primavera.

"No Brasil, infelizmente, não temos provas com um nível que nos deixe próximos dos europeus. Ela tinha que ficar perto do circuito", explica a arquiteta.

Miss Blue foi morar no centro equestre do cavaleiro Yuri Mansur, que vai saltar com ela nas Olimpíadas.

A saudade aperta, mas sempre que a Miss participa de um concurso no exterior, Thalita viaja para se encontrar com ela. Já foi vê-la na Alemanha, na França, na Suécia, nos Estados Unidos e no México.

Na minha égua ninguém usa chicote. Os cavalos bons, as Ferraris, não têm chicote

Thalita Olsen de Almeida

Arquiteta e dona da égua Miss Blue

"Quando eu chego na cocheira, ela já abaixa a cabeça para receber o meu carinho. Ela tem dez anos, e está comigo desde um ano e oito meses de idade. A Miss me reconhece."

Ela diz mais: "A Miss é grata pela oportunidade que dei a ela de brilhar. Quase todas as vezes em que estou presente em uma competição, ela ganha. Parece que o animal quer te devolver o que você fez por ele. É uma energia diferente". A égua foi comprada por ela há cerca de oito anos, do Haras Rosa Mystica, onde viveu até os 3 anos.

José Ramos conta que quando a dona chega perto de Primavera, logo é reconhecida. "Ela sabe que é a Ana Eliza. Os cavalos são muito inteligentes. Eles se comunicam. A única coisa é que eles não falam. Você tem que entendê-los pelo comportamento, pelos movimentos. Pelo olhar." Primavera nasceu no Haras Montana, e foi adquirida por Ana Eliza em 2022.

Miss Blue e Primavera têm até passaporte europeu para poder viajar —o documento é exigido pela Federação Equestre Internacional.

Ambas são consideradas éguas geniosas. "Ela é um demônio", diz Thalita sobre Miss Blue. "É uma égua alfa, que manda nos outros cavalos, que pula cerca. Se passa 15 dias sem saltar, fica louca. Ela tem tanto sangue, é tão quente, que precisa saltar."

"Na minha égua ninguém usa chicote. Ela já é muito potente. Os cavalos bons, as Ferraris, não têm chicote", segue Thalita.

A personalidade forte de Miss Blue precisou ser controlada. Thalita diz que o domador, por exemplo, secava Miss Blue com assoprador de folhas para que ela se acostumasse com barulhos fortes. "Às vezes descemos de helicóptero do lado dela, e ela não se assusta", diz.

Thalita diz que os cavalos hoje em dia são tratados de forma diferente da de antigamente, e que qualquer mal trato é severamente reprovado.

Os treinos têm mais tecnologia e metodologia.

O preço de uma égua como Miss Blue, diz Thalita, é "inestimável". Os óvulos de uma égua cinco estrelas podem variar de 120 a 200 mil euros.

As propostas por éguas como Miss Blue e Primavera giram entre 13 a 25 milhões de euros —apenas para a parte esportiva.

Os cavalos são muito inteligentes. Eles se comunicam. A única coisa é que eles não falam. Você tem que entendê-los pelo comportamento

José Ramos

Manager da égua Primavera e marido da cavaleira Ana Eliza Aguiar Ramos

José Ramos diz que já recebeu propostas por Primavera. "Não queremos nem conversar." Thalita também diz que "tem coisas que o dinheiro não compra". Ver sua égua disputar uma Olimpíada pelo Brasil, afirma, "é daquelas coisas que não têm preço".

Thalita afirma que investiu R$ 3 milhões para que sua égua chegasse ao patamar olímpico.

O hipismo, mesmo amador, requer de fato muitos recursos, diz ela. "Para começar no esporte no Brasil, você arranca de R$ 100 mil", afirma a arquiteta.

Em primeiro lugar, diz Thalita, "o cavalo não é um cachorro. Você precisa de um lugar grande para ele, de uma área em uma hípica. Depois tem os equipamentos: sela, estribo, cabeçada, barrigueira, capacete, bota, culote, luva, chicote, espora. O equipamento completo".

Para se equipar "num nível C", diz ela, são necessários R$ 20 mil. No nível A, o investimento chega a R$ 150 mil. "Só uma cela pode custar R$ 60 mil."

Um cavalo olímpico custa infinitamente mais.

Mas Miss Blue é autossustentável. Todos os prêmios que ela hoje ganha cobrem seus custos. O que sobra é distribuído entre a dona (40%), o cavaleiro Yuri (40%) e as tratadoras (10%).

Ana Eliza Aguiar Ramos herdou a paixão por cavalos da mãe, Maria Ângela Aguiar, sócia e fundadora do Haras Império Egípcio.

Thalita nasceu no interior do Paraná, e desde cedo conviveu com cavalos na fazenda da família. Quando se mudou para São Paulo, foi introduzida no hipismo clássico pela amiga Fabiana Mendes Teixeira, filha do campeão brasileiro Vitor Alves Teixeira.

"A Bibi me levou na Hípica e me emprestou a égua dela, a Carla. Como cavalo, mulher e carro a gente não empresta, eu comprei logo depois o meu primeiro cavalo, o Batman."

Hoje ela tem 14 cavalos em formação para alta performance.

O desejo de medalha é tão grande que Thalita e o marido fizeram promessa para empurrar Miss Blue à vitória. "A gente parou de comer açúcar", diz Guilherme. "Eu sou uma formiga. E fiz uma promessa difícil de cumprir."

Eles estarão liberados para voltar às guloseimas no fim dos Jogos Olímpicos. Mas o sacrifício fez tão bem à saúde que a vida sem doce pode se tornar definitiva.

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