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Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

Descrição de chapéu The New York Times

Por que o perdão das dívidas estudantis nos EUA não é elitista

Não, não é um socorro a baristas preguiçosos

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Confissão embaraçosa: tenho assistido a "Mulher-Hulk: Defensora de Heróis". Em geral, não sou fã do gênero super-herói; mas depois de "Orphan Black" eu vejo qualquer coisa estrelada por Tatiana Maslany.

De todo modo, um dos pontos da trama do programa é que a personagem-título está relutante em revelar seus superpoderes. Por quê? Entre outras coisas, ela se preocupa (corretamente, ao que parece) que, quando as pessoas souberem o que ela é capaz de fazer, ela terá dificuldade para pagar seus empréstimos estudantis.

Não acho que os autores pretendessem fazer uma declaração política. Eles estavam apenas reconhecendo a onipresença da dívida estudantil –e a ansiedade sobre ela– nos Estados Unidos modernos. E essa generalidade é o motivo pelo qual os ataques dos republicanos à política de perdão das dívidas do presidente Biden –que eles geralmente retratam como um presente para elites privilegiadas ou para gastadores preguiçosos– provavelmente fracassarão.

Estudantes da Rice University, em Houston, no Texas - Brandon Bell - 29.ago.2022/Getty Images/AFP

Vamos falar sobre os números. O governo Biden diz que seu plano proporcionará alívio a até 43 milhões de americanos. É muita gente, não uma pequena elite mimada. Em particular, os dados do Fed de Nova York dizem que mais de 12 milhões de americanos na faixa dos 30 anos –mais de um quarto desse grupo– ainda têm dívidas estudantis não pagas.

O que isso significa é que mesmo que você concorde com a teoria política de lanchonete de Trump –segundo a qual os únicos eleitores que importam são operários que usam bonés de beisebol– deve estar ciente de que alguns desses caras provavelmente pegaram empréstimos para frequentar escolas de comércio ou faculdades comunitárias, muitas vezes recebendo em troca nada além de dívidas. Mesmo entre os que não tomaram empréstimos estudantis, muitos provavelmente têm filhos, irmãos, primos ou amigos que o fizeram. Assim, o plano Biden afetará muitas pessoas.

Resumindo, o perdão das dívidas estudantis não é algum tipo de preocupação da elite; é uma questão ampla, pode-se até dizer populista. A votação inicial sobre o plano de Biden é um pouco mista, com uma pesquisa do Emerson College mostrando um apoio muito maior do que outra do CBS/YouGov. Mesmo esta última, no entanto, mostra que a maioria dos americanos aprova o plano; ele ainda encontra muito menos oposição entre os brancos não universitários do que se poderia esperar, dada a desaprovação geral desse grupo a tudo o que é ligado a Biden.

A outra ponta da reação da direita envolve invocar a responsabilidade pessoal –na verdade, pintar os destinatários do perdão das dívidas como rainhas do bem-estar. Os esforços republicanos nessa frente, entretanto, foram extraordinariamente surdos.

Apenas sob princípios políticos gerais, dizer a dezenas de milhões de americanos que são preguiçosos e irresponsáveis –que são todos, como disse Ted Cruz, como um "barista preguiçoso" que desperdiçou anos "estudando coisas completamente inúteis"– parece… burrice. Para ser brutalmente franco, esse tipo de caricatura pode ter funcionado para os republicanos quando os insultos eram dirigidos aos negros urbanos. Mas é provável que saia pela culatra quando estamos falando de um amplo espectro de americanos que estavam apenas tentando subir na vida.

Além disso, muitos dos críticos mais proeminentes do perdão das dívidas são quase comicamente fora de sintonia, hipócritas ou ambos. Na verdade, apague o "quase".

Por exemplo, Marco Rubio orgulhosamente declarou que pagou toda a sua dívida estudantil –depois que foi eleito para o Senado e conseguiu um contrato para escrever um livro. Por que todos não podem fazer isso?

Na frente da hipocrisia, a Casa Branca está tendo um dia de folga zombando de congressistas republicanos cujas empresas receberam perdão de dívidas sob o Programa de Proteção de Salários. É verdade que o perdão das dívidas para empregadores que mantiveram suas forças de trabalho durante a pandemia de Covid-19 foi incorporado a esse programa; também é verdade que pesquisas posteriores sugerem que apenas cerca de um quarto dos fundos do programa apoiavam empregos que, de outra forma, teriam desaparecido. O resto foi, na verdade, um presente para os empresários.

De maneira mais geral, é difícil levar a sério as palestras sobre responsabilidade pessoal quando vêm de um movimento cheio de pessoas –de Donald Trump, famoso por dar calote em seus empreiteiros, para baixo– que há muito se recusam a pagar o dinheiro que devem. É difícil superar o espetáculo de Stephen Moore, que Donald Trump tentou nomear para o Federal Reserve, chamando as pessoas que não pagam suas dívidas de "caloteiros"; afinal, a indicação de Moore falhou em parte porque ele se recusou a pagar à sua ex-mulher US$ 300 mil em pensão alimentícia aos filhos.

Agora, nada disso significa que o plano de Biden deva ser isento de críticas, embora a veemência com que alguns centristas o atacaram permaneça intrigante. Acima de tudo, o plano oferece um alívio pontual, mas não resolve o problema subjacente que levou a toda essa dívida estudantil –que não é uma proliferação de baristas preguiçosos; é uma sociedade que exige credenciais educacionais para muitos empregos sem tornar a educação acessível.

A questão é que Biden tentou resolver esse problema subjacente; faculdade comunitária gratuita fazia parte de sua proposta original Reconstruir Melhor. Mas ele não conseguiu aprová-la no Congresso. Ele está, porém, oferecendo uma ajuda real a milhões de americanos –e os republicanos claramente não têm ideia de como responder.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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